terça-feira, 1 de setembro de 2020

A UEG e a Exclusão Digital na Pandemia




Para se compreender os últimos acontecimentos na UEG durante o atual período de pandemia do Sars-Cov-2, e sobre o exponencial processo de exclusão digital de alunos nos vários campi da universidade espalhados por diferentes cidades em todo o Estado de Goiás, faz-se necessário antes entender o seu processo histórico de surgimento durante o final da década de 1990 e  também sobre a sua dinâmica de funcionamento sempre correlacionada com os interesses patrimonialistas, eleitoreiros e  político-partidários entre seus gestores e os políticos locais.

A Universidade Estadual de Goiás (UEG) surge no ano de 1999 durante o primeiro mandato do governo de Marconi Perillo (PSDB) em Goiás, através da Lei Estadual 13.456 de 16 de abril de 1999, com a fusão da antiga UNIANA de Anápolis com mais 28 faculdades isoladas e localizadas em distintas regiões de Goiás. Porém, destas 28 Instituições de Ensino Superior (IES), apenas 13 existiam de fato, as demais existiam apenas no papel. Durante todos os períodos de sua existência, a UEG sempre conviveu com gestões neoliberais de governos, inclusive com o próprio governo atual de Ronaldo Caiado (DEM), marcado por políticas públicas essencialmente autoritárias, populistas e que continuam ajudando a transformar a universidade em palanque eleitoral, em balcão de negócios e também em instrumento de barganha política com os variados grupos políticos das mais variadas regiões do Estado.

Ainda no ano de sua criação, no governo de Marconi Perillo, houveram vertentes privatistas em educação que promoveram várias tentativas e debates para cobrança de mensalidades aos estudantes da UEG, como forma de custeio da instituição, proposta sugerida pelo então governador, mas que fora rechaçada e combatida fortemente pela própria comunidade universitária da época.

A UEG nasce com uma proposta de interiorização do ensino superior em Goiás, na forma multicampi e abarcando todas as regiões do Estado. Durante as duas primeiras décadas deste século, a UEG sofreu um vertiginoso e anômalo processo de expansão a fim de atender apenas as demandas e aos interesses político-eleitorais dos governos estaduais, crescimento este que não seguiu nenhuma diretriz ou planejamento sócio-educacional ou que de fato contemplasse as verdadeiras demandas e os reais interesses para a formação de conhecimento e produção de saber nas várias regiões nas quais se instalara. O seu crescimento vertiginoso e a expansão anômala seguia uma lógica que apenas atendia de forma pragmática e populista às demandas politico-eleitorais de governadores  e prefeitos locais, de tal forma a contemplar as suas bases eleitorais, não atendendo estudos e planejamento sobre as reais e amis importantes necessidades das populações locais para ofertas e abertura de novos cursos ou campi. A UEG então passa de 13 campi, que existiam desde a sua inauguração em 1999, para o número de 44 campi em 2018, registrando um aumento de mais de 300% em menos de duas décadas, caracterizando uma expansão anômala e irreal, pois o seu orçamento nunca seguia essa mesma proporção de crescimento, permanecendo no papel com apenas 2% da arrecadação estadual, valor esse nunca repassado integralmente à UEG.

Seguindo essa lógica clientelista, populista e demagógica de crescimento, sem aumento proporcional de novos recursos e de investimentos, os novos campi são inaugurados sem estruturas mínimas de funcionamento, ou seja, sem bibliotecas, sem salas de informática, sem restaurantes universitários e sem professores efetivos. A maioria dos funcionários e professores eram contratados pela universidade via processos seletivos simplificados, chegando a números absurdos como em 2013, onde cerca de 90% dos funcionários eram temporários e mais de 60% de professores com contratos precarizados na forma também de temporários.

Ainda em 2012 a UEG sofre um processo de intervenção realizado pelo governo de Marconi Perillo que destitui o então reitor da época, Luiz Arantes, acusado de corrupção, colocando em seu lugar o interventor Haroldo Reimer, que permaneceu por cerca de 7 anos no cargo de reitor. Além da intervenção na reitoria, em 2012 o governador também impõe um novo estatuto para a universidade que foi aceito e referendado pelo Conselho Universitário sem diálogo ou participação da comunidade constituindo-se assim um estatuto imposto de cima para baixo e de forma unilateral e autoritária pelo governo. Neste estatuto é inserido pela primeira vez na história da universidade a chamada “lista tríplice”, que outorga ao governador o direito de escolha do reitor.

A precarização e o sucateamento da UEG chegaram a níveis tão alarmantes que em 2013 vários cursos foram paralisados por falta de condições de funcionamento, seja por falta de professores, por falta de laboratórios ou mesmo por falta de estruturas mínimas como insumos ou equipamentos de ensino. A falta de concurso público, a falta de plano de carreira docente e  a ausência total de políticas estudantis (como a inexistência de restaurante universitário, moradia estudantil e também a escassez total de bolsas estudantis) fez surgir em abril de 2013 a maior greve da história da UEG que durou 89 dias. A situação caótica leva à deflagração espontânea de uma greve constituída de forma auto-organizada, independente e por ação direta, feita  por professores, alunos e funcionários da universidade, sem a participação de partidos ou de sindicatos.

O reitor interventor Haroldo Reimer, que posteriormente é eleito como reitor na universidade, impõe em 2014, a chamada reforma universitária da UEG, mudando radicalmente (para pior) os currículos de todos os cursos (currículo 2015-2), e mais uma vez sem a participação da comunidade universitária nos debates ou na construção das mudanças e das novas diretrizes curriculares. O resultado foi a criação de um novo currículo pautado nos princípios do chamado currículo mínimo, copiado do REUNI das Universidades Federais e com conteúdos aligeirados, fragmentados e contemplando apenas uma formação pragmática voltada meramente a atender  o instável e volátil mercado do sub-emprego e do desemprego.

Em 2018 assume o governo de Goiás, o Sr. Ronaldo Caiado (DEM), que passa a seguir a mesma lógica e os mesmos princípios de seu antecessor para com a gestão e administração da UEG, com ideais pragmáticos, eleitorais e populistas. Ainda no primeiro ano de seu governo, Ronaldo Caiado destitui o Conselho Universitário e também retira o então reitor Haroldo Reimer, que era ligado ao ex-governador Marconi Perillo (PSDB), sob o pretexto de corrupção, e coloca em seu lugar outro interventor na reitoria em Anápolis. Ao mesmo tempo, e aind em 2019, Ronaldo Caiado impõe a chamada reestruturação organizacional da universidade, demitindo milhares de professores e funcionários em regime de contratos temporários e sem a contra partida da realização de novos concursos públicos, o que gerou um maior aumento da precarização do trabalho e o maior sucateamento da UEG. Essa nova reforma administrativa e organizacional da universidade realizada em 2019, com a extinção de campus, criação de institutos e unidades universitárias, teve a intenção apenas  de burocratizar ainda mais as relações na universidade, a fim de promover a centralização total das decisões e do poder dentro da UEG, facilitando o controle mais efetivo do governo nas questões internas da universidade.

Durante quase duas décadas de existência da UEG, observa-se que pouca coisa mudou. As relações continuam hierarquizadas, verticalizadas e autoritárias, como desde as suas origens, onde professores, alunos e funcionários não participam ou sequer são plenamente ouvidos pela administração central nas suas tomadas de decisões. Entra governo e sai governo, continuam as práticas clientelistas, patrimonialistas e demagógicas de seus gestores. No ranking nacional, a UEG se classifica entre as universidades brasileiras com pior qualidade no ensino, pesquisa e extensão. Faltam investimentos e também maior democratização do ensino superior ofertado pela universidade à população. E os estudantes que já não possuíam nenhuma forma de assistência estudantil antes da pandemia, sem bolsas, sem restaurante universitário, sem moradia estudantil, com o advento do sistema de aulas remotas por tecnologias virtuais durante a pandemia, passam então a figurarem como as maiores vítimas deste vergonhoso processo de exclusão digital.



Em 2020, com o surgimento da pandemia do Sars-Cov-2, o governo do Estado de Goiás passa a ser o segundo ente da federação a decretar o isolamento da população e com a suspensão total das aulas presenciais ainda em março, e em todas as esferas educacionais, permitindo porém a oferta dos conteúdos e disciplinas no formato do chamado Ensino à Distância (EaD). A UEG foi a  única Instituição de ensino superior pública a dar continuidade às aulas de forma remota durante os primeiros meses de isolamento social e a não paralisar totalmente as atividades de ensino. A portaria n. 560-2020 emitida pelo novo reitor interventor no dia 16 de março de 2020 suspendeu por apenas 15 dias todas as atividades de aulas presenciais na universidade. A partir daí inicia-se um grande conflito e debate na comunidade universitária da UEG sobre a continuidade das atividades do primeiro semestre de 2020 e de como seriam as propostas didático-metodológicas no contexto de pandemia e sem aulas presenciais. A reitoria começa então a pressionar professores, alunos e funcionários a aderirem à modalidade de ensino à distância (EaD) como necessária ao contexto de pandemia. Porém, alunos, professores e funcionários não são ouvidos ou consultados sobre a continuidade ou não das atividades e sobre quais seriam os pressupostos e princípios metodológicos para as atividades que poderiam ser mantidas no futuro.

Já no dia 25 de março a reitoria passa a implementar o chamado “Plano Emergencial de Ensino e Aprendizagem - PEEA” e através da instrução normativa 80-2020, que impõe o ensino à distância como regra e modelo a ser seguido e adotado por toda a universidade. Vale destacar ainda que desde a gestão de Haroldo Reimer na reitoria da UEG, era dada grande ênfase e incentivo à modalidade de ensino remoto em EaD, muito antes da pandemia, como forma de diminuir custos e ainda de tentar sanar o grande déficit de docentes sem a realização de novos concursos públicos.

Houve a partir de então manifestações contrárias à imposição pragmática e autoritária do EaD na universidade. Vários professores, alunos e funcionários se manifestaram contrários às decisões da reitoria. Alguns cursos paralisaram as atividades, porém outros aderiram à nova proposta. O grande embate não era contra a continuidade do semestre, mas sim a maneira pela qual a reitoria e o governo impuseram a escolha do EaD sem diálogo e também sem nenhuma contrapartida por parte do governo no que se referia ao acesso de computadores e internet para alunos.

Na verdade, o que se assistiu a partir de então, foi uma total e nefasta exclusão digital experimentada por milhares de alunos da universidade. Estudantes da UEG relataram que não possuíam internet em suas residências, muitos foram e ainda estão sendo obrigados a assistirem as aulas através de celulares smartphones, e centenas de outros abandonaram ou trancaram os seus cursos. Além de não haver tempo para a adaptação ao novo formato de aulas mediado por tecnologias virtuais, não houve tão pouco a disponibilidade por parte da universidade do acesso aos equipamentos e tecnologias necessárias para o efetivo aprendizado e acompanhamento das atividades em EaD. Não se pode esquecer tão pouco que o contexto em que se discute a exclusão digital é o contexto de uma pandemia causada por um vírus altamente letal, que tem levado a morte milhares de pessoas no país e no mundo todo, e que é capaz de provocar abalos e transtornos psíquicos e emocionais, inclusive em alunos, professores e de funcionários. Somando a toda essa exclusão que o EaD provocou e ainda tem provocado entre a comunidade universitária, também podemos acrescentar a essa tragédia o desemprego entre os familiares dos estudantes durante a pandemia, sendo capaz de provocar ainda mais transtornos  e dificuldades materiais e emocionais.

O que estamos assistindo atualmente na UEG é um total aniquilamento dos propósitos e sentidos de uma universidade pública, com aumento exponencial da exclusão digital, que faz aumentar ainda mais as injustiças sociais e os abismos já existentes no nosso meio. Vemos assim que a UEG continua sendo como sempre foi, uma instituição totalmente burocratizada, hierarquizada, verticalizada e anti-democrática, onde os sujeitos que a integram, professores, alunos e funcionários são cada vez mais submetidos às  opressões, aos desmandos e aos caprichos de políticos e gestores que continuam a se acharem os donos da UEG, transformando-a numa instituição incapaz de realizar a sua verdadeira função na democratização e a universalização dos saberes, inviabilizando uma vida mais plena e livre, se prestando apenas a formar mão de obra barata para o mercado do desemprego e da miséria.

 

13 comentários:

  1. Tendo base aos autos relatados no texto vemos que com essa implementação do ensino remoto e a implementação o chamado “Plano Emergencial de Ensino e Aprendizagem - PEEA, analisamos que o ensino esta em uma crise inimaginável tendo vista que nem todos tem acesso aos meios remotos para acompanhamento das aulas, entrega de atividades e o próprio conhecimento de matérias que exigem uma pratica para a sua compreensão.

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  2. Outra coisa que podemos observar que as aulas EaD tem provocado é a exclusão de muitos estudantes que possuem deficiência, isso por sua vez acaba depreciando toda a história da própria UEG porquê esta foi uma das primeiras instituições de Goiás a adotar o sistema direcionado a ações afirmativas.

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  3. Além do mais podemos presenciar a dificuldade de se manter uma qualidade de ensino elevada como a de um curso presencial dentro de uma instituição especializada, fora que fica muito mais dependente de recursos tecnológicos e meios de comunicação que não atende todas as classes sócias.

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  4. É notória que grande parte da gestão verticalizada da Ueg, parte inicialmente de gestores e políticos. Entretanto, ao chegar nas subcamadas da direção de cada campo, em específico na Eseffego, vemos que as coisas não são um mar de rosas como eles dizem. O poder de decisão que cabe a cada campus ainda se encontra centralizado, os alunos e muitos funcionários não possuem uma abertura para elencarem suas opiniões contrárias, sugestões, entre outros, e acabam por sofrer as mesmas repressões anteriormente sofridas pela gestão. A mesma continua sendo feita de forma velada, e só mudam os meios. Como dizia Freire, "quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor."

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  5. No atual cenário vemos ainda mais a exclusão de várias formas no ambiente de ensino. Infelizmente a questão do EAD que foi proposto para tentar diminuir os impactos da pandemia trouxe ainda mais problemas. Muitos profissionais da unidade de ensino em questão vivem de saudosismo e buscam benefícios próprios, isso causa ainda mais problemas para os mais afetados(os alunos). Não se busca uma solução viável, apenas reunem-se os detentores do poder e eles simplesmente decidem pelos alunos que vivem na sensação de estarem sendo representados mas na realidade são como os políticos e o povo: O povo briga entre si para defender políticos que sequer cumprem com seu papel.

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  6. A Universidade tem sido um espaço excludente muito antes da pandemia, você percebe isso quando se tem disponibilidade de vagas para deficientes auditivos mas os mesmos não possuem intérpretes para sua real inclusão nas aulas. Esse assunto já tem sido discutido desde o ano de 2018 e ainda assim nada fazem a respeito. Agora mais uma vez, vemos isso acontecer, e dessa vez em maior proporção, todo este contexto só reforça e explicita de modo escancarado como cada um só se preocupa consigo mesmo. Porque muitos acham injusto a continuidade do ensino remoto mas ainda assim se colocam a favor. Outros fingem se importar com a exclusão da minoria quando na verdade só querem atender aos seus próprios interesses ao ponto de aoontarem o dedo e falar em falta de empatia e demonstrar atitudes totalmente contrárias. A verdade é que não estamos prontos para promover um ensino remoto ou não remoto que atenda a todos. Mas se formos pensar no quesito qualidade de ensino, essa de fato não será a mesma, infelizmente. Acho plausível algumas ações da universidade de disponibilizar aparelhos/dispositivos eletrônicos para os alunos de baixa renda que não possuem, e minhas expectativas é que de fato funcione e minimize o máximo os prejuízos desse momento tão delicado, que ninguém esperava mas que infelizmente está acontecendo e de alguma forma seria necessário continuar.
    - Ingrid Pereira

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  7. É difícil imaginar uma igualdade de situação para estudos a distância em um país onde existe uma distância gigantesca entre as classes. Nem presencial chega a ser igual, imagina no EAD.
    Podemos chegar a um tempo em que não exista mais essa divisão gigantesca de classe, porém, a classe trabalhadora, os mais pobres, tem que se conscientizar e lutar pela igualdade.

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  8. Vivemos em um ambiente democrático onde todos os alunos tem voz, entretanto, os interesses são encaminhados na medida que favorece o grupo central. Estamos em um momento de pandemia mundial, que pegou todos despreparados, a decisão de adotar por um ensino remoto é um modo de amenizar os danos ao ensino educacional, porém, foi instalado de uma maneira agressiva que escancarou as diferenças sociais, além de uma série de conflitos. Já se passaram praticamente 5 meses de aula remota, muitos alunos desistiram ou trancaram o curso, a estratégia da Universidade em ofertar aparelhos eletrônicos a quem necessita vai auxiliar alguns alunos, mas sabemos que não irá suprir as dificuldades, assim como acontece na forma presencial. Presencialmente há uma série de conflitos que inviabiliza o ensino igualitário, mas que são mascarados, na pandemia esses conflitos foram usados como forma de negação ao estilo remoto, mas no presencial ocorrem com grande frequência.

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  9. É perceptível que o EAD necessita de vários ajustes para ofertar uma melhor qualidade de ensino para os discentes, começando portanto, em fornecer os recursos necessários para o acesso de todos os conteúdos trabalhados. É um grande desafio, cabe a instituição desenvolver estratégias eficazes para este processo.

    Matheus Souza Lima

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  10. A UEG nasce com uma proposta de interiorização do ensino superior em Goiás, de forma ha abarcar todas as regiões do Estado. Durante as duas primeiras décadas deste século, mas devido a pandemia de observa uma exclusão digital tendo em vista que não ha qualidade nenhuma no fornecimento do ensino remoto, cabe então a reitoria junto com profissionais adequados a desenvolver e propiciar mecanismos para mitigar os problemas supra-mensionados.

    Pedro Guilherme

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  11. A imposição do Ensino Remoto Emergencial na UEG, em especial no Campus ESEFFEGO, um desgaste sem precedentes. Alunos sem representatividade e sem direito a fala. Alguns, mal tinham condição de ir ao ensino presencial por ausência de recursos financeiros e tal situação de não acesso ao ensino universitário se potencializou com a imposição do Ensino Remoto Emergencial.

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