quinta-feira, 26 de agosto de 2021

OFFLINE: A Sindemia da Covid-19 e a Educação Física

 

Foto 01 - “Campinho” – Campo de várzea em área pública no centro de Goiânia

 

 

(Escrito por Renato Coelho)

  

A covid-19 já não é apenas uma pandemia, mas já possui uma nova classificação denominada de sindemia, e não consiste apenas em uma mera mudança terminológica. O termo SINDEMIA é um neologismo que deriva da junção das palavras SINERGIA + PANDEMIA, e foi criada pelo antropólogo americano Merill Singer ainda na década de 1990, onde, segundo ele:

 

Uma abordagem sindêmica fornece uma orientação muito diferente para a medicina clínica e a saúde pública, mostrando como uma abordagem integrada para entender e tratar doenças pode ser muito mais bem sucedida do que simplesmente controlar doenças epidêmicas ou tratar pacientes individuais (SINGER apud HORTON, 2020).

 

 

O conceito de sindemia lança um novo olhar sobre a covid-19, onde são levados em conta o contexto da doença e as interações com os aspectos sociais, fazendo com que a covid-19 não seja considerada apenas como uma doença a nível biológico. Ao considerarmos a Covid-19 como uma relação biológica e social, fica mais fácil a compreensão de sua dinâmica de contágios, também a tomada de decisões eficazes para mitigação de novos surtos.


Foto 02 – Vacinação de trabalhadores contra a Varíola – Maranhão – 1969. (fonte: Acervo COC - Casa Oswaldo Cruz – Fiocruz)

 

A covid-19 é capaz de interagir com inúmeras doenças pré-existentes, tais como diabetes, cardiopatias, doenças respiratórias crônicas, doenças renais, hipertensão, asma, câncer, aids e muitas outras, porém, essa interação ou combinação com a Covid-19, faz potencializar os danos e riscos à vida dos indivíduos com tais comorbidades. Vale ressaltar ainda que em camadas mais pobres e em etnias excluídas ou marginalizadas, os danos provocados pela sindemia da Covid-19 também são amplificados de forma exponencial. Fatores de risco para a Covid-19, tais como a obesidade e diabetes são mais frequentes em populações mais pobres e carentes, e tais fatores tornam estas pessoas mais vulneráveis, favorecendo a piora do estado de saúde destes indivíduos, pertencentes aos chamados grupos de risco.

 

A vulnerabilidade dos cidadãos mais velhos; Comunidades étnicas negras, asiáticas e minoritárias; e os trabalhadores-chave que são comumente mal pagos com menos proteções de bem-estar apontam para uma verdade até agora pouco reconhecida — ou seja, que não importa o quão eficaz um tratamento ou proteção através de uma vacina, a busca de uma solução puramente biomédica para o COVID-19 falhará. A menos que os governos criem políticas e programas para reverter profundas disparidades, nossas sociedades nunca serão verdadeiramente seguras contra a covid-19. (HORTON, 2020)

 

 

 

Segundo Horton (2020), a Covid-19 jamais será debelada apenas com a visão biomédica de restrições ou de flexibilizações da mobilidade humana, protocolos de biossegurança, vacinas ou de medicamentos de última geração,  pois nunca serão eficazes o suficiente e a busca de soluções meramente biologicistas para a Covid-19 sempre fracassarão. Para este autor, é necessário ir muito além disso, para ele, é urgente e necessário a superação da mera visão atual focada no limitado conceito de pandemia, e começarmos a encarar a covid-19 como uma sindemia, sendo capaz de levar em conta as condições de trabalho, moradia, alimentação de qualidade, saneamento básico, acesso ao lazer e ao esporte, assistência médica e melhoria na renda dos trabalhadores de todo o mundo.

 

A crise econômica que se aproxima de nós não será resolvida com um medicamento ou uma vacina.  Nada menos do que um avivamento nacional é necessário. Abordar a Covid-19 como uma sindemia irá convidar a uma visão mais ampla, abrangendo educação, emprego, moradia, alimentação e meio ambiente. Ver a Covid-19 apenas como uma pandemia exclui esse processo mais amplo, mas necessário. (HORTON, 2020)

 

 

Portanto, faz-se necessário propor medidas para além das ações farmacológicas (vacinas, medicamentos) e não farmacológicas (uso de máscaras, protocolos, distanciamento social, lockdown), estas que são fundamentais, porém, não suficientes para o controle e mitigação dos contágios e mortes provocados pela covid-19 no Brasil e no mundo.


Figura 01 – Charge com Oswaldo Cruz e a Revolta da Vacina – 1904 (fonte: Acervo COC - Casa Oswaldo Cruz – Fiocruz)

  

No Brasil, por exemplo, enquanto avança lentamente o programa de vacinação da população brasileira (cerca de 29% da população adulta imunizada) com uma média de 2 milhões de doses aplicadas diariamente, vemos em paralelo a aniquilação de direitos trabalhistas pelo congresso, a votação de leis contra os direitos indígenas, o aumento da inflação e do desemprego estrutural, também o aumento de queimadas e desmatamentos na Amazônia, no Cerrado e Pantanal, que são considerados os principais biomas do planeta Terra.

Sendo assim, mais distante se torna o controle da covid-19 e a diminuição dos contágios. Não apenas isso, estamos abrindo as portas para o surgimento de novas pandemias com a destruição da natureza e o aumento das desigualdades sociais. Tais mazelas e sindemias são consequências claras do insaciável e destrutível movimento capitalista sobre a natureza e sobre a vida humana.

Cumpre aqui ressaltar o importante papel da educação física, como instrumento de democratização da cultura corporal e como importante componente curricular das escolas brasileiras. Porém, neste momento de pandemia, com um vírus mutante e que inviabiliza a construção da imunidade coletiva através da vacinação (variante delta), onde medidas de restrições de mobilidade, o uso de máscaras e aplicações de reforços vacinais deverão perdurar por tempo indeterminado, deve-se repensar as metodologias, conteúdos e espaços de educação física para além das medidas e normas biomédicas e dos protocolos de segurança, através de ações concretas que abarquem mudanças estruturais para viabilização das diferentes e variadas formas de ensino-aprendizagem em educação física, a fim de promover a segurança e a saúde de alunos, professores e de seus familiares, colocando como prioridade a proteção à vida de todos os membros da sociedade.

O ensino da Educação Física escolar envolve inúmeros contatos, ensinar e aprender Educação Física é promover aglomerações saudáveis e infinitas interações humanas de variadas formas:  dialógicas, psicológicas, físicas e simbólicas. A Educação Física escolar é não somente o momento de aula, mas tempo de prazer e de libertação corporal das amarras e engessamentos promovidos pela instituição escola. Daí o grande entrave que a pandemia trás para a escola como um todo, e também para o componente curricular da Educação Física. Um problema complexo que não será solucionado apenas com protocolos de biossegurança em quadras de escolas ou de academias de ginástica.


Foto 03 - Espaço de lazer ao ar livre localizado no bairro de Vila Nova em Goiânia

 

Tais ações e empreendimentos nas aulas de Educação Física envolvem melhoria e democratização no acesso à internet para alunos e professores, realização de concursos públicos para docentes de escolas e universidades na expansão do ensino remoto (por tempo indeterminado), aumento de salário e melhorias nos planos de carreira e previdenciário docente, expansão da assistência estudantil e concessão de mais bolsas (permanência, extensão e de pesquisa), readequação e reformas dos espaços escolares e de universidades para melhor circulação do ar (ventilação natural e troca de ar) e ampliação de áreas já construídas. Permitir o acesso à assistência médico hospitalar gratuita e de qualidade para a comunidade escolar, garantir uma alimentação saudável e rica em nutrientes aos professores e estudantes, também a promoção de moradia digna e saneamento básico às famílias de estudantes mais carentes.

Portanto, não basta apenas impor às escolas protocolos, ou normas de biossegurança nas aulas de educação física pautados apenas em normas epidemiológicas, que não são capazes de oferecer uma proteção efetiva, quando construídas e impostas de forma a negar o contexto e negligenciar as desigualdades e mazelas sociais estanques na comunidade escolar e nas universidades brasileiras. Com base no exposto acima e no contexto atual brasileiro de descontrole total da pandemia, estacionada em um platô com médias diárias de mil (1000) mortes, vacinação com início tardio, uma iminente terceira onda com a variante Delta, somado com a real e brutal precarização das escolas e universidades públicas, o retorno às aulas presenciais irá somente dar continuidade e ainda  potencializar o genocídio que já está em vigor, independente de quaisquer que sejam os protocolos presenciais a serem adotados.

 

 

 

Referências

 

HORTON, R. OFFLINE: COVID-19 is not a pandemic. The Lancet, v.396, p874, september 26, 2020.

Site Consultado: 

Casa Oswaldo Cruz: www.coc.fiocruz.br/index.php/pt/

 

 

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

A Educação Física e a Terceira Onda da Variante Delta: imprevisibilidade e novos desafios

 

                        Figura 01 – Ondas simulam a propagação de contágios Covid-19.

 

(Escrito por: Renato Coelho)


Um cadáver domina a sociedade – o cadáver do trabalho. Todos os poderes ao redor do globo uniram-se para a defesa deste domínio: o Papa e o Banco Mundial, Tony Blair e Jörg Haider, sindicatos e empresários, ecologistas alemães e socialistas franceses. Todos eles só conhecem um lema: trabalho, trabalho, trabalho! (GRUPO KRISIS, 2017)

 

Atualmente, vários países do mundo vêm enfrentando novas ondas de contágios e óbitos pelo vírus Sars-Cov-2, muitos destes países com processo de vacinação bastante avançado, como é o caso dos EUA, Inglaterra, Israel, França, Chile, Uruguai e outros. As vacinas atuais contra a Covid-19 são extremamente importantes e confiáveis, evitam a evolução de casos graves da doença, hospitalizações e de óbitos, porém, não é totalmente efetiva no que tange a evitar os contágios pelo vírus, daí a importância, mesmo após receber as duas doses da vacina, manter os cuidados não farmacológicos como o uso de máscaras e o distanciamento social. A vacinação é importante, mas não é o único instrumento de combate à pandemia, é necessário também a manutenção das medidas de restrições sociais em paralelo ao processo de vacinação, a fim de se evitar o surgimento de novas ondas e consequentemente novas mutações do vírus.

A palavra “onda” vem emprestada da física, da chamada mecânica ondulatória, e se caracteriza pela propagação ou vibração de partículas, fluidos, sinais sonoros ou eletromagnéticos em função do tempo, sendo possível determinar matematicamente a sua magnitude, amplitude e frequência. Um terremoto, por exemplo, pode ser avaliado e medido de acordo com a sua magnitude, ou seja, em função das ondas mecânicas produzidas em consequência do movimento das placas rochosas no interior da Terra. Já na epidemiologia, o termo “onda” se refere a uma explosão abrupta de contágios e/ou de óbitos no contexto das epidemias ou de uma pandemia (ver Figura 01 acima). Em 2020, o Brasil experimentou a chamada primeira onda da covid-19 entre os meses de julho e agosto, tendo amplitudes máximas em torno de 1.000 óbitos diários dentro da chamada média móvel. A segunda onda se deu recentemente, entre os meses de abril e maio de 2021, tendo picos ou amplitudes com mais de 3.000 óbitos por dia. O surgimento de novas ondas está associado ao aumento da mobilidade social, às flexibilizações das regras de distanciamento social, baixa velocidade na vacinação em massa e também ao surgimento de novas mutações mais contagiosas em comparação ao vírus original.

Gráfico 01 – Comparativo entre países de casos de covid-19 por milhão de pessoas (Fonte: www.ourworldindata.org/coronavírus).

No Gráfico 01 acima, podemos observar atualmente o surgimento de novas ondas de covid-19, com o aumento abrupto de contágios em países como Reino Unido, Estados Unidos, França e Alemanha. As investigações apontam que o surgimento de uma nova onda nestes países com alta taxa de vacinação se deve ao avanço da nova variante Delta.  No atual contexto brasileiro, estamos experimentando nestas últimas semanas um decréscimo considerável nas taxas de contágios e óbitos, com queda significativa nas médias móveis de casos (ver Gráfico 02 abaixo).



Gráfico 02 – Casos diários de covid-19 no Brasil. (Fonte: www.ourworldindata.org/coronavírus).

 

Porém, assim como ocorreu naqueles países citados anteriormente, a entrada da variante Delta em território brasileiro, onde o Rio de Janeiro e o Distrito Federal são os novos epicentros da variante Delta, podem mudar a tendência de queda dos números da covid-19 no país já para os próximos dias. Surgem então três fatores importantes e capazes de ajudar no surgimento de uma terceira nova onda de contágios pela covid-19 no Brasil. O primeiro fator diz respeito ao atraso e a lentidão no processo de vacinação (Programa Nacional de Imunização – PNI), que tem permitido uma maior circulação do vírus entre a população, já que até o momento o Brasil imunizou apenas 24,1% do total da população (ver gráfico 03 abaixo). O segundo fator está ligado ao surgimento da chamada variante Delta, que é duas vezes mais contagiosa do que as variantes anteriores e possui uma carga viral 1260 vezes maior, o que implica numa velocidade de contágio duas vezes superior (COELHO, 2021). Por fim, o terceiro fator se refere ao aumento da mobilidade humana em resposta às flexibilizações e à volta das aulas presenciais em escolas e universidades brasileiras. A mistura destes três fatores implicará no surgimento da chamada terceira onda, com aumento de contágios e consequentemente no aumento também no número de óbitos, colapso nos hospitais e em funerárias. Tal fenômeno já está ocorrendo nos EUA e em alguns países da américa do Sul, Europa e Ásia, em virtude da introdução da variante Delta e combinada com estes fatores mencionados. Vale destacar ainda que, mesmo países com vacinação avançada, enfrentam o surgimento de novas ondas pelo fato de não controlarem essas três importantes variáveis: mobilidade humana (flexibilizações precoces), velocidade na vacinação em massa e a mitigação de contágios pela variante Delta.


Gráfico 03 – Ritmo de imunização entre países (vacinação com duas doses) (Fonte: www.ourworldindata.org/coronavírus).


Tais ingredientes acima, juntamente com as flexibilizações no comércio e o retorno das aulas presencias na maioria das redes públicas de ensino e em universidades, formam os pré-requisitos básicos para a formação de uma nova e imprevisível terceira onda da covid-19 no Brasil. Vale destacar ainda que a imunização contra a covid-19 requer duas doses completas de vacinas, sendo que, apenas uma única dose, seja da vacina Pfizer, Coronavac ou AstraZeneca, não é suficiente para formar uma completa defesa no organismo humano contra a variante Delta, daí o grande problema da lentidão no programa de vacinação diante de uma iminente terceira onda, e que tornaria urgente a aplicação da segunda dose através do PNI, a fim de se evitar um novo colapso no sistema de saúde e o incremento de óbitos na pandemia.

 

A Variante Delta: descontrole e imprevisibilidade


Nos países anglo-saxônicos, este mundo de horror já é realidade para milhões, no Terceiro Mundo e na Europa do Leste, nem se fala; e o continente do euro mostra-se decidido a superar, rapidamente, esse atraso. As gazetas econômicas não fazem mais nenhum segredo sobre como imaginam o futuro ideal do trabalho: as crianças do Terceiro Mundo, que limpam os pára-brisas dos automóveis nos cruzamentos poluídos, são o modelo brilhante da "iniciativa privada", que deveria servir de exemplo para os desempregados do deserto europeu da prestação de serviço. "O modelo para o futuro é o indivíduo como empresário de sua força de trabalho e de sua própria previdência social", escreve a "Comissão para o Futuro dos Estados Livres da Baviera e da Saxônia". E ainda: "a demanda por serviços pessoais simples é tanto maior quanto menos custam, isto é, quanto menos ganham os prestadores de serviço". Num mundo em que ainda existisse auto-estima humana, uma frase deste tipo deveria provocar uma revolta social. Porém, num mundo de animais de trabalho domesticados, ela apenas provoca um resignado balançar de cabeça. (GRUPO KRISIS, 2017).

 

Gráfico 04 – Escala comparativa de propagação e de letalidade da variante Delta em relação a outros vírus. (Fonte: www.cdc.gov/coronavirus).

 Atualmente no Brasil, a variante Gama é hegemônica no total de casos de contágios, porém, como não existe um programa nacional de testagem em massa, e tão pouco um programa nacional de testagem genômica para identificação genética das variantes em território nacional, logo, não há certezas quanto ao quantitativo de contágios pela nova variante Delta e não se sabe até quando a variante Gama irá ser preponderante em relação à nova variante Delta. Entretanto, já é sabido que no estado do Rio de Janeiro, a variante Delta já é responsável pela maioria dos contágios, com cerca de 60% dos casos positivos da capital fluminense, e tem provocado o colapso dos hospitais tanto na capital quanto nas cidades do interior.

No Gráfico 04 acima, podemos observar que a variante Delta ocupa uma posição de destaque, onde verificamos que ela é mais transmissível do que os vírus do ebola, da varíola e da gripe. Além da alta rapidez de transmissão da variante Delta, o gráfico também comprova que ela é mais mortal do que a gripe e a poliomielite, sendo a sua mortalidade maior do que o vírus original sars-cov-2 de Wuhan (China). Sendo essa mutação mais transmissível, obviamente que a mesma se torna também mais mortal do que as suas antecessoras. Ainda no Gráfico 04 acima, analisando o eixo horizontal (eixo x), temos a taxa de contágios a partir de uma única pessoa infectada, vemos que uma pessoa contaminada com a gripe comum transmite o vírus para uma (01) outra pessoa. Já o vírus Sars-Cov-2 original de Wuhan transmite covid-19 para três (03) outras pessoas. No entanto, ao observarmos a projeção da variante Delta no eixo horizontal (eixo x), nota-se que a transmissão de uma pessoa infectada ocorre até entre oito (8) pessoas de contato, ou seja, devido à sua altíssima carga viral, que é aproximadamente 1260 vezes maior, a sua taxa de transmissão passa a ser mais do que o dobro do vírus Sars-Cov-2 original. Tal dinâmica assustadora de contágios deveria colocar todo o país em alerta máximo no quesito prevenção e adoção de medidas restritivas e de mitigação de novos casos, no entanto, o que se observa é justamente o contrário, com aumento de flexibilizações e a abertura de escolas e universidades pelo poder público.

 


Figura 02 – Comparativo de transmissibilidade da Variante Delta: mais do que o dobro de transmissão.


Com o alto índice de transmissão da variante Delta (cerca de duas vezes maior), observa-se uma dinâmica diferente de contágio do vírus em relação às demais cepas (Alfa, Beta, Gama e Lambda), daí a importância em se revisar conceitos e hábitos construídos ao longo destes meses de pandemia no Brasil e no mundo. A variante Delta pode ser transmitida até mesmo em ambientes abertos quando não respeitadas as regras de distanciamento social. Por isso, as atividades em ambientes abertos ou ao ar livre devem ser revistas quanto ao distanciamento seguro, mesmo com o uso de máscaras. Em ambientes fechados já foi comprovado a transmissão de covid-19 via aerossóis mesmo com o uso de máscaras e com distanciamento. (COELHO, 2021b)

  

A Educação Física e a Variante Delta


O novo fanatismo do trabalho, com o qual esta sociedade reage à morte de seu deus, é a continuação lógica e a etapa final de uma longa história. Desde os dias da Reforma, todas as forças basilares da modernização ocidental pregaram a santidade do trabalho. Principalmente durante os últimos 150 anos, todas as teorias sociais e correntes políticas estavam possuídas, por assim dizer, pela ideia do trabalho. Socialistas e conservadores, democratas e fascistas combateram até a última gota de sangue, mas, apesar de toda a animosidade, sempre levaram, em conjunto, sacrifícios ao altar do deus-trabalho. "Afastai os ociosos", dizia o Hino Internacional do Trabalho – e "o trabalho liberta" ecoava aterrorizantemente sobre os portões de Auschwitz. As democracias pluralistas do pós-guerra se professaram ainda mais a favor da ditadura eterna do trabalho. Mesmo a Constituição do Estado da Baviera, arquicatólico, ensina aos seus cidadãos partindo do sentido da tradição luterana: "o trabalho é a fonte do bem-estar do povo e está sob proteção especial do Estado". No final do século XX, quase todas as diferenças ideológicas desapareceram. Sobrou o dogma impiedoso segundo o qual o trabalho é a determinação natural do homem. (GRUPO KRISIS, 2017).

 

Sabemos que o ensino da Educação Física não se resume apenas ao saber fazer ou ao simples gesto técnico, mecanizado e repetitivo. O ensino da cultura corporal envolve saberes e metodologias capazes de relacionar o corpo e o movimento a significados e sentidos para muito além da cinética ou da performance, pois nesta relação de ensino-aprendizagem está envolto além de teorias sobre o corpo, sensações, toques, valores sociais, experiências, sentimentos, pensamentos e questões de classe. Daí, com a pandemia e as aulas remotas, o ensino da educação física sofre o mais duro golpe desde o seu surgimento com o chamado Movimento Ginástico Europeu, durante o século XIX na Europa. A mediocridade e a pobreza das aulas on-line dilaceraram o ensino da Educação Física, assim como também as outras disciplinas e saberes, e que foram engessadas, exorcizadas e despidas pelas tecnologias mortas e robotizadas do ciberespaço. Nas aulas remotas não existem os contatos, os movimentos, os sons, os gritos e os descontroles dos corpos, mas apenas o silêncio do computador e a artificial contração do espaço-tempo pelas plataformas digitais. A pandemia obrigou a todos a se adaptarem ao ensino remoto, a fim de evitar novos contágios pelo vírus Sars-Cov-2. Porém, apesar de todas as limitações e neuroses provocadas pelas aulas virtuais, uma volta às aulas presenciais num momento crítico e catastrófico tal qual vivemos atualmente no Brasil num contexto de descontrole da pandemia, pode provocar danos irreversíveis à sociedade. Não se deveria estar discutindo hoje o retorno às aulas presenciais, mas sim em como melhorar e incluir alunos e professores no Ensino à Distância em tempos de pandemia, com gratuidade de acesso à internet, disponibilidade a hardwares e softwares à comunidade escolar e universitária, num sentido de provocar uma “humanização” das atuais excludentes aulas on-line. Porém, o que assistimos não é uma coisa e nem outra, apenas uma imposição ao “novo normal”, para garantir o girar da roda do capital, que até o momento já abreviou a vida de mais de 570.000 brasileiros. Atualmente em Goiás estamos assistindo o retorno precoce e sem sentido das aulas presenciais em escolas públicas municipais e estaduais. Também assistimos o mesmo fenômeno ocorrer no semestre passado com as escolas particulares e também universidades privadas que já tem um calendário presencial de aulas, mesmo com a incidência da variante de preocupação Delta em todo território nacional. A pressão para o retorno às aulas presenciais para as universidades públicas também é visível e notória. Os gestores públicos usam a ciência apenas quando lhes é conveniente, fazem da ciência um instrumento para os seus deleites e bel-prazeres e obrigam a abertura das instituições educacionais em desconexo com as recomendações epidemiológicas. Ciência a serviço de quem? Ciência para quem, afinal?

 

 

Foto 01 – Quadras poliesportivas do Centro de Excelência do Esporte – ESEFFEGO UEG


Na Foto 01 acima, vemos as quadras poliesportivas suspensas do Centro de Excelência do Esporte, que se localizam no atual campus ESEFFEGO UEG no centro da cidade de Goiânia. Observamos que apesar das quadras se localizarem no 4º piso das instalações do complexo esportivo, o espaço não possui ventilação natural ou circulação de ar, propiciando tornar este local no futuro, em um ambiente super espalhador de covid-19. Vemos que nos locais descritos em A e C na foto acima, são estruturas de vidro e que auxiliam na iluminação natural do ambiente, porém, as aberturas e frestas entre as estruturas de vidro são pequenas e não permitem uma circulação efetiva do ar vindo de fora, o que dificulta a troca do ar, mantendo o ambiente constantemente abafado e sem troca efetiva de ar com o meio externo. A estrutura B faz parte da arquitetura interna e do design externo do prédio e apesar das aberturas também nestas estruturas metálicas, elas não permitem uma circulação efetiva do ar, impedindo a troca e circulação entre o ar externo e interno. A circulação de ar é uma condição importante e recomendável para ambientes com presença humana no período de pandemia. Apesar do espaço das quadras possuir uma grande área total (três quadras anexas), mesmo assim, possui uma arquitetura que dificulta a circulação natural do ar. Evidencia-se a necessidade futura de mudanças na arquitetura do prédio para a prática de atividades esportivas ou aulas presenciais, após a vacinação de toda a população, a fim de permitir uma maior troca de ar entre os ambientes internos e externos para maior segurança dos estudantes e usuários. Uma sugestão seria a retirada das estruturas de vidro e das partes metálicas nas paredes, substituindo-as por outras formas arquitetônicas com aberturas maiores e com proteção contra a chuva e o Sol (exemplo: arquitetura aberta  do tipo “Quebra Sol”).


Foto 02 – Visão interna do Centro de Excelência dos Esportes ESEFFEGO UEG – Hall de entrada e escadarias de acesso às salas de aula.


As salas de aula do Centro de Excelência dos Esportes (Fotos 02 e 03), que foram na verdade adaptadas e transformadas em salas de aula no ano de 2018 com a mudança do campus ESEFFEGO UEG, e que outrora eram laboratórios, são espaços em geral pequenos e com baixa circulação de ar, e existem ainda salas de aula até mesmo sem nenhuma janela.



Foto 03 – Interior de uma das salas de aula, com pequena área total, apesar de possuir uma janela de tamanho grande.


Essa arquitetura e disposição de salas, também se tornam prejudiciais diante de uma pandemia descontrolada tal qual se observa em Goiás e com a incidência cada vez maior da variante Delta na cidade de Goiânia. Mais uma vez aqui, há de se propor mudanças arquitetônicas capazes de sanar a falta de circulação de ar nas salas citadas para um futuro retorno seguro às aulas presenciais, quando a pandemia estiver sobre controle e com toda a população vacinada.

  

Foto 04 – Academia instalada no Centro de Excelência dos Esportes ESEFFEGO UEG.


A foto 04 mostra as instalações da academia de ginástica do Centro de Excelência dos Esportes ESEFFEGO UEG num espaço amplo e com muitas janelas grandes. Fato importante é que a academia se localiza em um espaço arejado e com grande parte da sua arquitetura sem paredes, com ampla abertura lateral, o que beneficia e muito a circulação e renovação de ar, ao contrário dos demais espaços citados. Quando toda a população estiver vacinada, este espaço poderá servir como modelo para as demais instalações da ESEFFEGO.

 



Foto 05 – Estádio Olímpico Pedro Ludovico Teixeira  localizado no centro de Goiânia.

 

O Estádio Olímpico (Foto 05) também faz parte do Centro de Excelência dos Esportes. Esse estádio foi inaugurado em 1941, mas em 2006 ele foi demolido pelo governo do Estado para reforma e modernização, porém, a sua reconstrução somente foi finalizada em 2016. Projetado para ser utilizado como espaço para a prática exclusiva de esportes olímpicos, exceto o futebol. Entretanto, devido às constantes pressões da Federação Goiana de Futebol e dos dirigentes dos times de futebol da capital goiana, junto ao governo estadual, o mesmo foi então adaptado para inclusão de um campo de futebol, o que demandou mudanças em suas dimensões e estruturas arquitetônicas originais para abrigar um campo com medidas oficiais de futebol em seu interior. Ao final das reformas no Estádio, que duraram mais de uma década, com constantes paralisações e atrasos, houve várias falhas constatadas após a sua reinauguração em 2016, como espaçamento mínimo entre cadeiras, corredores apertados para torcedores e apenas metade do estádio possui cobertura para visitantes. Os corredores de acesso aos vestiários são estreitos e sem ventilação, a chamada área técnica, onde ficam os jogadores e comissão técnica no intervalo dos jogos é extremamente pequena, sem ventilação e mal projetada. Neste local foram realizadas neste ano de 2021 vários jogos da Copa América, organizado pela Conmebol, inclusive sediando jogos até mesmo da seleção brasileira. Entretanto, é sabido por todos que houve vários surtos de covid-19, durante a realização dos jogos da Copa América no Brasil, inclusive em Goiânia, onde os números oficiais de pessoas infectadas pelo novo coronavírus neste evento internacional não foram divulgados pela Conmebol. Mas, o Ministério da Saúde divulgou o número total de contágios, chegando a 198 pessoas entre jogadores, membros das delegações, arbitragem, médicos, logística e prestadores de serviços. O que é favorável neste estádio é a sua imensa área aberta ao ar livre, tornando este espaço adaptável atividades mais seguras, com excelente circulação de ar e facilidade para o distanciamento social. Vale lembrar, como fato histórico importante, que o Estádio Olímpico serviu para abrigar várias famílias vítimas do acidente radioativo com a cápsula de Césio-137, ocorrido em agosto de 1987 em Goiânia. A vítimas da radiação ficaram acampadas em dezenas de barracas cedidas pelo exército, no local onde hoje se localiza o novo campo de futebol.

 

 


 Foto 06 – Ginásio Rio Vermelho  localizado no Centro de Excelência do Esporte.


O Ginásio Rio Vermelho (Foto 06) possui uma arquitetura muito antiga e quase toda em concreto. Recentemente foi iniciada a reforma do piso, porém, até o início da pandemia, a obra estava inacabada. Possui um teto alto e independente das paredes, sustentado por colunas metálicas e de concreto, o que permite uma boa troca de ar entre os espaços internos e externos. Porém, os corredores internos de acesso à quadra são estreitos e abafados, formando verdadeiros labirintos entre as salas e as quadras. Tal disposição espacial dos corredores e salas pode tornar este espaço propício à propagação de covid-19.

 

Sugestões e Conclusões


Quem hoje ainda se pergunta pelo conteúdo, sentido ou fim de seu trabalho torna-se louco – ou um fator de perturbação do funcionamento do fim em si da máquina social. O "homo faber" , antigamente orgulhoso de seu trabalho e com seu jeito limitado levando a sério o que fazia, hoje é tão fora de moda quanto a máquina de escrever mecânica. A Roda tem que girar de qualquer jeito, e ponto final. Para a invenção de sentido são responsáveis os departamentos de publicidade e exércitos inteiros de animadores e psicólogas de empresa, consultores de imagem e traficantes de drogas. Onde se balbucia continuamente um blablablá sobre motivação e criatividade, disso nada sobrou, a não ser auto-engano. Por isso, contam hoje as habilidades de auto-sugestão, autorepresentação e simulação de competência como as virtudes mais importantes de executivos e trabalhadoras especializadas, estrelas da mídia e contabilistas, professoras e guardas de estacionamento. (GRUPO KRISIS, 2017).

 

 

Este ensaio científico sobre educação física e pandemia visa demonstrar apenas a insanidade, irresponsabilidade e a idiotice em querer forçar uma volta às aulas presencias sem atingir a vacinação plena de toda a população. Não existe nenhum embasamento científico pautado em evidências epidemiológicas que atestem o retorno às aulas no atual contexto de descontrole da pandemia em Goiás e no Brasil.

As estruturas físicas, os espaços e ambientes existentes podem facilmente serem transformados em locais super espalhadores de Covid-19 entre alunos, professores e funcionários, tal qual expusemos com relação ao campus ESEFFEGO em Goiânia, e que somente ajudará a aumentar as estatísticas de casos e de óbitos em toda a população.

Na iminência de uma terceira onda de Covid-19, com a chegada da denominada variante de preocupação Delta, recomenda-se a paralisação de todas as atividades presencias de aulas em educação física, sejam em desportos coletivos ou individuais. Também sugerimos o retorno às aulas remotas pelas escolas da rede municipal de Goiânia (SME) e também de todas as escolas estaduais de Goiás (SEDUC), com o intuito de evitar novos surtos de contágios pelo vírus Sars-Cov-2 e a sua nova variante de preocupação Delta.

Segundo dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a variante Delta já é predominante no mundo, representando hoje mais de 80% dos contágios totais registrados no planeta. A fim de se evitar novas mortes e a expansão da pandemia no país, é urgente a retomada de medidas restritivas e a aceleração do processo vacinal. Somente com cerca de 90% da população total vacinada se poderá ter um retorno seguro às aulas presenciais. (COELHO, 2021). Recomenda-se também redobrar os cuidados com crianças e adolescentes, pois este grupo não recebeu ainda nenhuma dose de vacina e são os mais vulneráveis diante da expansão da variante Delta. Cuidados redobrados também com a população idosa, que mesmo estando imunizada, poderá sofrer impactos grandes com a exposição à variante Delta, pois este grupo possui um sistema imunológico mais suscetível aos ataques virais.


Bibliografia

COELHO, R. A Educação Física e a Variante Delta: a vida após as olimpíadas. Disponível em:

< https://mundotrabalhoueg.blogspot.com/2021/08/a-educacao-fisica-e-variante-delta-vida.html > Acesso em: 18/08/2021.

COELHO, R. Os Superspreaders: a educação física em xeque. Disponível em <www.mundotrabalhoueg.blogspot.com/2020/10/os-superspreaders-e-educacao-fisica-em.html>. Acesso em: 18/08/2021.

GRUPO KRISIS. Manifesto Contra o Trabalho. Lisboa: ed. Antigona, 2017.


 

Sites Consultados:

OUR WORD IN DATA (www.ourworldindata.org/coronavirus)

CDC (www.cdc.gov/coronavirus)