Foto
01 – Academia Athletics Sports em Goiânia: decretada a falência em virtude da
ausência de políticas de controle da pandemia em Goiás e no Brasil.
(Escrito por: Renato Coelho)
Segundo
a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ, 2021),
o Brasil possui apenas 2,7% da população mundial e atualmente responde por
cerca de 9,6% dos casos de covid-19 no mundo e ainda por 12,9% dos óbitos de
todo o planeta. Na escala de contagem de novos óbitos por milhão de habitantes,
o Brasil encontra-se em primeiro lugar no ranking, com uma taxa igual a 9,01
mortos/milhão de habitantes, seguido pela Índia com uma taxa de 3,01 mortos/milhão de
habitantes. Os dados são considerados altíssimos, mesmo sabendo do grande número de
subnotificações de óbitos em todos os países.
O
cenário sócio-epidemiológico do Brasil atual (maio-junho 2021) demostra que as
taxas de contágios permanecem em níveis elevados e se mantendo num platô muito
alto. A média diária de óbitos hoje oscila entre duas mil mortes/dia (2.000
mortes/dia) e 62.000 novos contágios diários. E segundo apontam os gráficos,
após uma ligeira queda nos números, houve uma aceleração na curva com aumentos
consideráveis de casos e óbitos a partir da segunda quinzena de maio. Esse
incremento considerável é fruto da abertura total das atividades econômicas e
flexibilização precoce das regras de distanciamento social em todo o Brasil.
Somam-se a estas variáveis a lentidão no ritmo de vacinação no país. Dentro
deste contexto brasileiro de descontrole da pandemia, a taxa de letalidade é
também uma das mais altas do mundo, atingindo a marca atual de 3%, onde média
mundial gira em torno de 0,6%. Uma letalidade de 3% significa que a cada 100
pessoas contaminadas, em média 3 delas irão a óbito.
O
descontrole da pandemia no Brasil, além de facilitar o surgimento de novas
variantes (mutações virais), também tem feito surgir um novo fenômeno, o
chamado rejuvenescimento da pandemia, ou seja, está ocorrendo uma radical
mudança na distribuição etária de casos e de internações em UTI. A cada dia que
se passa, pessoas mais jovens estão se contaminando e tendo sintomas graves da
covid-19, e muitas delas vindo a óbito. Hoje a maioria dos contágios e
internações em UTI´s envolvem pessoas com idade inferior a sessenta anos (idade
< 60 anos), demostrando um quadro muito diferente daquele demonstrado na
primeira onda de 2020, quando a maioria dos contágios e das internações eram de
pessoas idosas ( > 60 anos). Esse quadro se inverteu devido a vários
fatores, dentre eles a vacinação do grupo dos idosos e também à precoce e alta
abertura das atividades econômicas. A maioria destes jovens que estão se
contaminando estão diretamente ligados ao mercado de trabalho, e são pessoas
com idade inferior a 60 anos. (ver Gráfico 01 abaixo). Entre os jovens também
tem aumentado as chamadas síndromes pós-covid e a covid longa, que são sequelas
multissistêmicas ocasionadas após a recuperação dos contágios pelo vírus
Sars-Cov-2. Ressalta-se também aqui o maior poder de transmissibilidade das
novas variantes do vírus Sars-Cov-2, com destaque para a mutação P.1, que hoje
representa mais de 80% dos vírus em circulação no Brasil. Essa maior
transmissibilidade também tem influenciado o surgimento de uma nova onda de
contágios e de óbitos no Brasil, também denominada de terceira onda.
Gráfico
01 – O rejuvenescimento da pandemia no Brasil (Fonte: FIOCRUZ, 2021)
Uma nova onda surge quando os novos contágios e as internações hospitalares aumentam vertiginosamente e de forma descontrolada. Não existe um conceito definido e unânime entre os cientistas sobre ondas na pandemia. Alguns autores consideram o surgimento de uma nova onda quando a sua antecessora atinge o nível zero de contágios, e a partir daí então surge uma nova onda. Quando uma onda não atinge essa amplitude zero, o seu novo crescimento é denominado de “repique” da onda, ou seja, uma elevação da taxa de crescimento (aceleração) daquela primeira onda. Entretanto, pode-se também classificar o surgimento de uma nova onda mesmo sem a nulidade da primeira onda, bastando ter uma desaceleração de novos casos e óbitos e em seguida um aumento expressivo e inesperado. A primeira onda no Brasil surgiu em março de 2020, tendo o seu pico entre julho e agosto daquele mesmo ano. A primeira onda foi consequência da flexibilização precoce das atividades econômicas e da não implantação de testagem em massa e de barreiras sanitárias nos aeroportos, rodoviárias e estradas do país. Já a segunda onda surgiu em janeiro de 2021, tendo o seu pico entre março e abril de 2021. A segunda onda surgiu em virtude de eventos importantes do calendário que provocaram aglomerações como as eleições, as festas de fim de ano, viagens realizadas no feriado de carnaval, a realização do Enem e a abertura total das atividades econômicas neste período considerado, e pode-se ressaltar ainda a continuidade dos erros cometidos na primeira onda. Agora estamos na iminência do surgimento da terceira onda, pois os contágios e hospitalizações após uma leve queda nas primeiras semanas de maio, começam a subir de forma acelerada e exponencial nesta segunda quinzena de maio, inclusive com ocupações de UTI’s acima de 80% na maioria dos estados da federação. Mais uma vez, o surgimento desta nova onda se deve à falta de prevenção, a abertura total das atividades econômicas e também pela flexibilização precoce das regras de distanciamento social. As novas variantes, pelas suas características de maior transmissão, podem também estar atuando na dinâmica de surgimento desta nova onda (terceira onda). O grande problema que surge desta vez, muito diferente da primeira e da segunda onda, é que esta chamada terceira onda inicia uma aceleração de casos e óbitos a partir de um platô muitíssimo alto (média móvel de mortos em torno de 2.000 casos/dia), e isso implica numa ação avassaladora, catastrófica e imprevisível desta terceira onda, tendo impactos e efeitos maiores do que a recente segunda onda experimentada no Brasil neste primeiro semestre de 2021. Significa também que a terceira onda pode elevar a média de casos e de contágios a níveis astronômicos, superando a marca de 4.000 óbitos diários observados em abril de 2021 durante o pico da segunda onda. (ver gráfico 02 abaixo). As ondas no Brasil surgem quase que em sobreposição uma às outras, dando a perceber que na realidade existe apenas uma primeira onda. Mas este fenômeno pode ser explicado pelo fato de não haver a execução de nenhum lockdown durante a pandemia no país, pois um lockdown é capaz de achatar e ainda separar as curvas (ondas). Evidencia-se assim uma aparente continuidade da curva pandêmica, ou seja, uma verdadeira continuidade dentro de uma descontinuidade maior.
Uma comparação grosseira e a título apenas de ilustração, seria imaginarmos uma avalanche de neve descendo sobre uma montanha. Uma avalanche inicial seria uma onda. A neve desta primeira onda ao cair vai acumulando um volume de neve cada vez maior na sua trajetória vertical. Ao provocar abalos na superfície da montanha, essa onda faz surgir uma nova onda de avalanche paralela a si, e quanto maior o peso da neve acumulado nessa primeira onda na sua queda, maior será a nova onda subsequente que está a se formar. Logo, uma terceira onda de contágios será muito maior do que as antecessoras devido ao “excesso” de contaminados na sua formação inicial. Provando que uma terceira onda iniciando em um platô muito alto, tal qual se observa atualmente no Brasil, maior e mais catastrófica a mesma será do que as anteriores.
E o
que tudo isso tem a ver com a Educação Física?
O
descontrole da pandemia promove, além do elevado número de mortes, o chamado “abre e fecha” contínuo das
atividades econômicas, e isso prova apenas a ausência de gestão e de
planejamento das políticas de mitigação do vírus Sars-Cov-2. O “abre e fecha”
além de gerar um grande desconforto emocional na população, também promove a
falência econômica de várias atividades do mercado e o aumento do desemprego, principalmente daquelas
atividades ditas não essenciais como restaurantes, academias, escolas, eventos
e de turismo. O descontrole contínuo do “abre e fecha” além de destruir a economia,
provoca ainda o desmantelamento do já sucateado e subfinanciado sistema público
de saúde, que não é capaz de suportar a sobrecarga contínua no atendimento de
doentes por covid-19.
Em
Goiânia assistimos a falência de uma das maiores e mais tradicionais academias
de ginástica da cidade. A renomada academia Athletics Sports fundada na década
de 1990 e localizada em um bairro nobre da cidade, no setor Bueno, fechou as
suas portas em abril de 2021 em virtude do descontrole e da falta de gestão sobre a
pandemia no Brasil. Segundo o proprietário da academia, o fechamento se deveu à
questões administrativas e financeiras ligadas às dificuldades impostas pela
período de pandemia e que prejudicou o funcionamento da mesma. Através das
redes sociais o empresário e dono da academia Antônio Borges relatou: “Passamos
inicialmente por um impedimento de 5 meses que agora se repetiu por mais um mês
e ainda com incertezas de continuidade pela frente” (Antônio Borges em postagem no Instagram em abril de 2021).
Quando a pandemia está descontrolada (Rt >1), as academias de ginástica, assim como todas as atividades não essenciais, devem ser fechadas ou reduzida a sua capacidade de ocupação. Daí surgem os problemas administrativos e financeiros destes estabelecimentos comerciais em relação às medidas de restrição e de isolamento social. E quanto mais perdura o descontrole da pandemia, maior o tempo de permanência das regras restritivas e consequentemente maiores os transtornos para a manutenção e funcionamento das academias. Segundo a Associação Médica do Texas (TMA), as academias de ginástica possuem um alto risco de contágio devido às suas características ambientais em relação à dinâmica de transmissão do vírus Sars-Cov-2, e em função disso, as regras para a sua abertura e funcionamento na pandemia são acertadamente as mais rígidas (ver tabela ao lado, na aba lateral do blog: "Covid-19: risco de contágio segundo atividade"). Evidencia-se assim que a falência de vários estabelecimentos comerciais de distintas áreas, inclusive no ramo de academias de ginástica, como no exemplo citado acima, se deve sobretudo à má gestão e ao descontrole total da pandemia por parte dos governantes municipais, estaduais e federal.
Foto 02 - Interior da academia Athletics Sports em Goiânia
Todas essas questões envolvem a clara ausência de políticas de controle e de mitigação de novos casos como a inexistência de testagem em massa, falta de celeridade na vacinação, inexistência de barreiras sanitárias nos aeroportos e fronteiras, ainda a falta de divulgação e publicização do uso de máscaras e das regras de distanciamento social. Isso demonstra apenas uma ação reativa por parte dos governos (municipais, estaduais e federal), quando na verdade deveria haver ações pró-ativas, ou seja, que as políticas de mitigação e de controle do vírus antecipassem às dinâmicas de contágios e ao surgimento de novas ondas. Quando o principal parâmetro de controle da pandemia se torna o percentual de ocupação de leitos em UTI's, significa que de fato não existe nenhum planejamento ou programa de mitigação ou de prevenção de contágios. A observação de ocupação de UTI's é uma referência do passado da pandemia, ou seja, as altas taxas de ocupação demonstram apenas que a pandemia já está em descontrole e que os contágios se elevaram nas semanas ou meses anteriores. Somente a ampliação de leitos de UTI's demonstram respostas reativas e não pró-ativas de gestores e governantes. No Brasil os dados e as estatísticas apontam que mais de 50% das pessoas internadas em UTI´s com diagnóstico de covid-19 vão a óbito, pois a mera ampliação dos leitos, com salas lotadas e número insuficiente de profissionais de saúde, não é garantia de qualidade na prestação dos serviços em saúde.
Dentro deste contexto tenebroso e catastrófico da pandemia no Brasil, assistimos também professores e alunos sem vacinação sendo expostos ao vírus no cotidiano de trabalho em academias, escolas e universidades privadas. Não existe um programa governamental eficaz de assistência financeira aos trabalhadores durante a pandemia, o que torna difícil conter os impactos sociais e financeiros sobre os trabalhadores durante o período de restrição de mobilidade social na aceleração de contágios, o que faz destes trabalhadores mais expostos e mais vulneráveis ao vírus. E incluímos aqui também os professores de educação física das escolas, universidades e academias de ginástica. Provando assim, que assistimos atualmente no Brasil é na verdade um completo extermínio da classe trabalhadora neste período de pandemia sem controle.
Bibliografia
FIOCRUZ. Boletim Observatório Covid-19 – Semanas epidemiológicas 18 e 19 de 2 a 15 de maio de 2021. Disponível em: <www.portal.fiocruz.br>. Acesso em: 25/05/2021.