terça-feira, 25 de maio de 2021

A Educação Física e a Terceira Onda da Covid-19: o pior ainda está por vir

 


Foto 01 – Academia Athletics Sports em Goiânia: decretada a falência em virtude da ausência de políticas de controle da pandemia em Goiás e no Brasil. 

(Escrito por: Renato Coelho)


Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ, 2021), o Brasil possui apenas 2,7% da população mundial e atualmente responde por cerca de 9,6% dos casos de covid-19 no mundo e ainda por 12,9% dos óbitos de todo o planeta. Na escala de contagem de novos óbitos por milhão de habitantes, o Brasil encontra-se em primeiro lugar no ranking, com uma taxa igual a 9,01 mortos/milhão de habitantes, seguido pela Índia com uma taxa de 3,01 mortos/milhão de habitantes. Os dados são considerados altíssimos, mesmo sabendo do grande número de subnotificações de óbitos em todos os países.

O cenário sócio-epidemiológico do Brasil atual (maio-junho 2021) demostra que as taxas de contágios permanecem em níveis elevados e se mantendo num platô muito alto. A média diária de óbitos hoje oscila entre duas mil mortes/dia (2.000 mortes/dia) e 62.000 novos contágios diários. E segundo apontam os gráficos, após uma ligeira queda nos números, houve uma aceleração na curva com aumentos consideráveis de casos e óbitos a partir da segunda quinzena de maio. Esse incremento considerável é fruto da abertura total das atividades econômicas e flexibilização precoce das regras de distanciamento social em todo o Brasil. Somam-se a estas variáveis a lentidão no ritmo de vacinação no país. Dentro deste contexto brasileiro de descontrole da pandemia, a taxa de letalidade é também uma das mais altas do mundo, atingindo a marca atual de 3%, onde média mundial gira em torno de 0,6%. Uma letalidade de 3% significa que a cada 100 pessoas contaminadas, em média 3 delas irão a óbito.

O descontrole da pandemia no Brasil, além de facilitar o surgimento de novas variantes (mutações virais), também tem feito surgir um novo fenômeno, o chamado rejuvenescimento da pandemia, ou seja, está ocorrendo uma radical mudança na distribuição etária de casos e de internações em UTI. A cada dia que se passa, pessoas mais jovens estão se contaminando e tendo sintomas graves da covid-19, e muitas delas vindo a óbito. Hoje a maioria dos contágios e internações em UTI´s envolvem pessoas com idade inferior a sessenta anos (idade < 60 anos), demostrando um quadro muito diferente daquele demonstrado na primeira onda de 2020, quando a maioria dos contágios e das internações eram de pessoas idosas ( > 60 anos). Esse quadro se inverteu devido a vários fatores, dentre eles a vacinação do grupo dos idosos e também à precoce e alta abertura das atividades econômicas. A maioria destes jovens que estão se contaminando estão diretamente ligados ao mercado de trabalho, e são pessoas com idade inferior a 60 anos. (ver Gráfico 01 abaixo). Entre os jovens também tem aumentado as chamadas síndromes pós-covid e a covid longa, que são sequelas multissistêmicas ocasionadas após a recuperação dos contágios pelo vírus Sars-Cov-2. Ressalta-se também aqui o maior poder de transmissibilidade das novas variantes do vírus Sars-Cov-2, com destaque para a mutação P.1, que hoje representa mais de 80% dos vírus em circulação no Brasil. Essa maior transmissibilidade também tem influenciado o surgimento de uma nova onda de contágios e de óbitos no Brasil, também denominada de terceira onda.

Gráfico 01 – O rejuvenescimento da pandemia no Brasil (Fonte: FIOCRUZ, 2021)


Uma nova onda surge quando os novos contágios e as internações hospitalares aumentam vertiginosamente e de forma descontrolada. Não existe um conceito definido e unânime entre os cientistas sobre ondas na pandemia. Alguns autores consideram o surgimento de uma nova onda quando a sua antecessora atinge o nível zero de contágios, e a partir daí então surge uma nova onda. Quando uma onda não atinge essa amplitude zero, o seu novo crescimento é denominado de “repique” da onda, ou seja, uma elevação da taxa de crescimento (aceleração) daquela primeira onda. Entretanto, pode-se também classificar o surgimento de uma nova onda mesmo sem a nulidade da primeira onda, bastando ter uma desaceleração de novos casos e óbitos e em seguida um aumento expressivo e inesperado. A primeira onda no Brasil surgiu em março de 2020, tendo o seu pico entre julho e agosto daquele mesmo ano. A primeira onda foi consequência da flexibilização precoce das atividades econômicas e da não implantação de testagem em massa e de barreiras sanitárias nos aeroportos, rodoviárias e estradas do país.  Já a segunda onda surgiu em janeiro de 2021, tendo o seu pico entre março e abril de 2021. A segunda onda surgiu em virtude de eventos importantes do calendário que provocaram aglomerações como as eleições, as festas de fim de ano, viagens realizadas no feriado de carnaval, a realização do Enem e a abertura total das atividades econômicas neste período considerado, e pode-se ressaltar ainda a continuidade dos erros cometidos na primeira onda. Agora estamos na iminência do surgimento da terceira onda, pois os contágios e hospitalizações após uma leve queda nas primeiras semanas de maio, começam a subir de forma acelerada e exponencial nesta segunda quinzena de maio, inclusive com ocupações de UTI’s acima de 80% na maioria dos estados da federação. Mais uma vez, o surgimento desta nova onda se deve à falta de prevenção, a abertura total das atividades econômicas e também pela flexibilização precoce das regras de distanciamento social. As novas variantes, pelas suas características de maior transmissão, podem também estar atuando na dinâmica de surgimento desta nova onda (terceira onda). O grande problema que surge desta vez, muito diferente da primeira e da segunda onda, é que esta chamada terceira onda inicia uma aceleração de casos e óbitos a partir de um platô muitíssimo alto (média móvel de mortos em torno de 2.000 casos/dia), e isso implica numa ação avassaladora, catastrófica e imprevisível desta terceira onda, tendo impactos e efeitos maiores do que a recente segunda onda experimentada no Brasil neste primeiro semestre de 2021. Significa também que a terceira onda pode elevar a média de casos e de contágios a níveis astronômicos, superando a marca de 4.000 óbitos diários observados em abril de 2021 durante o pico da segunda onda. (ver gráfico 02 abaixo). As ondas no Brasil surgem quase que em sobreposição uma às outras, dando a perceber que na realidade existe apenas uma primeira onda. Mas este fenômeno pode ser explicado pelo fato de não haver a execução de nenhum lockdown durante a pandemia no país, pois um lockdown é capaz de  achatar e ainda separar as curvas (ondas). Evidencia-se assim uma aparente continuidade da curva pandêmica, ou seja, uma verdadeira continuidade dentro de uma descontinuidade maior.


 Gráfico 02 – Estatísticas da pandemia no Brasil: o início da avassaladora 3ª onda.

Uma comparação grosseira e a título apenas de ilustração, seria imaginarmos uma avalanche de neve descendo sobre uma montanha. Uma avalanche inicial seria uma onda. A neve desta primeira onda ao cair vai acumulando um volume de neve cada vez maior na sua trajetória vertical. Ao provocar abalos na superfície da montanha, essa onda faz surgir uma nova onda de avalanche paralela a si, e quanto maior o peso da neve acumulado nessa primeira onda na sua queda, maior será a nova onda subsequente que está a se formar. Logo, uma terceira onda de contágios será muito maior do que as antecessoras devido ao “excesso” de contaminados na sua formação inicial. Provando que uma terceira onda iniciando em um platô muito alto, tal qual se observa atualmente no Brasil, maior e mais catastrófica a mesma será do que as anteriores.


E o que tudo isso tem a ver com a Educação Física?


O descontrole da pandemia promove, além do elevado número de mortes, o chamado “abre e fecha” contínuo das atividades econômicas, e isso prova apenas a ausência de gestão e de planejamento das políticas de mitigação do vírus Sars-Cov-2. O “abre e fecha” além de gerar um grande desconforto emocional na população, também promove a falência econômica de várias atividades do mercado e o aumento do desemprego, principalmente daquelas atividades ditas não essenciais como restaurantes, academias, escolas, eventos e de turismo. O descontrole contínuo do “abre e fecha” além de destruir a economia, provoca ainda o desmantelamento do já sucateado e subfinanciado sistema público de saúde, que não é capaz de suportar a sobrecarga contínua no atendimento de doentes por covid-19.

Em Goiânia assistimos a falência de uma das maiores e mais tradicionais academias de ginástica da cidade. A renomada academia Athletics Sports fundada na década de 1990 e localizada em um bairro nobre da cidade, no setor Bueno, fechou as suas portas em abril de 2021 em virtude do descontrole e da falta de gestão sobre a pandemia no Brasil. Segundo o proprietário da academia, o fechamento se deveu à questões administrativas e financeiras ligadas às dificuldades impostas pela período de pandemia e que prejudicou o funcionamento da mesma. Através das redes sociais o empresário e dono da academia Antônio Borges relatou: “Passamos inicialmente por um impedimento de 5 meses que agora se repetiu por mais um mês e ainda com incertezas de continuidade pela frente” (Antônio Borges em postagem no Instagram em abril de 2021).

Quando a pandemia está descontrolada (Rt >1), as academias de ginástica, assim como todas as atividades não essenciais, devem ser fechadas ou reduzida a sua capacidade de ocupação. Daí surgem os problemas administrativos e financeiros destes estabelecimentos comerciais em relação às medidas de restrição e de isolamento social.  E quanto mais perdura o descontrole da pandemia, maior o tempo de permanência das regras restritivas e consequentemente maiores os transtornos para a manutenção e funcionamento das academias. Segundo a Associação Médica do Texas (TMA), as academias de ginástica possuem um alto risco de contágio devido às suas características ambientais em relação à dinâmica de transmissão do vírus Sars-Cov-2, e em função disso, as regras para a sua abertura e funcionamento na pandemia são acertadamente as mais rígidas (ver tabela ao lado, na aba lateral do blog: "Covid-19: risco de contágio segundo atividade"). Evidencia-se assim que a falência de vários estabelecimentos comerciais de distintas áreas, inclusive no ramo de academias de ginástica, como no exemplo citado acima, se deve sobretudo à má gestão e ao descontrole total da pandemia por parte dos governantes municipais, estaduais e federal.


Foto 02 - Interior da academia Athletics Sports em Goiânia


Todas essas questões envolvem a clara ausência de políticas de controle e de mitigação de novos casos como a inexistência de testagem em massa, falta de celeridade na vacinação, inexistência de barreiras sanitárias nos aeroportos e fronteiras, ainda a falta de divulgação e publicização do uso de máscaras e das regras de distanciamento social. Isso demonstra apenas uma ação reativa por parte dos governos (municipais, estaduais e federal), quando na verdade deveria haver ações pró-ativas, ou seja, que as políticas de mitigação e de controle do vírus antecipassem às dinâmicas de contágios e ao surgimento de novas ondas. Quando o principal parâmetro de controle da pandemia se torna o percentual de ocupação de leitos em UTI's, significa que de fato não existe nenhum planejamento ou programa de mitigação ou de prevenção de contágios. A observação de ocupação de UTI's é uma referência do passado da pandemia, ou seja, as altas taxas de ocupação demonstram apenas que a pandemia já está em descontrole e que os contágios se elevaram nas semanas ou meses anteriores. Somente a ampliação de leitos de UTI's demonstram respostas reativas e não pró-ativas de gestores e governantes. No Brasil os dados e as estatísticas apontam que mais de 50% das pessoas internadas em UTI´s com diagnóstico de covid-19 vão a óbito, pois a mera ampliação dos leitos, com salas lotadas e número insuficiente de profissionais de saúde, não é garantia de qualidade na prestação dos serviços em saúde.

Dentro deste contexto tenebroso e catastrófico da pandemia no Brasil, assistimos também professores e alunos sem vacinação sendo expostos ao vírus no cotidiano de trabalho em academias, escolas e universidades privadas. Não existe um programa governamental eficaz de assistência financeira aos trabalhadores durante a pandemia, o que torna difícil conter os impactos sociais e financeiros sobre os trabalhadores durante o período de restrição de mobilidade social na aceleração de contágios, o que faz destes trabalhadores mais expostos e mais vulneráveis ao vírus. E incluímos aqui também os professores de educação física das escolas, universidades e academias de ginástica. Provando assim, que assistimos atualmente no Brasil é na verdade um completo extermínio da classe trabalhadora neste período de pandemia sem controle.

 

Bibliografia

 

FIOCRUZ. Boletim Observatório Covid-19 – Semanas epidemiológicas 18 e 19 de 2 a 15 de maio de 2021. Disponível em: <www.portal.fiocruz.br>. Acesso em: 25/05/2021.

terça-feira, 18 de maio de 2021

Racismo, Extermínio de Classe e Pandemia.

 


 

(Escrito por Renato Coelho)


Em plena pandemia do novo coronavírus temos assistido a multiplicação de manifestações anti-racistas em vários países do mundo, e não é por menos, pois com o surgimento da pandemia houve também um aumento exponencial da violência contra os negros, indígenas e mulheres. A pandemia não somente tem escancarado a existência do racismo estrutural na sociedade capitalista, assim como também tem feito aumentar a exclusão e a morte de negros.

Temos como exemplos emblemáticos a morte brutal do trabalhador norte americano George Floyd na cidade de Minneapolis em 2020, assassinado por agentes da polícia local. E mais recente a morte do soldador João Alberto no interior de um hipermercado em dezembro de 2020 na cidade de Porto Alegre no Brasil,  também morto covardemente por agentes de segurança. Ambas as mortes demonstram a existência de um racismo estrutural na sociedade, onde o negro é sempre tratado de forma discriminatória, desumana e com ações violentas, recebendo um tratamento diferenciado e desproporcional em relação aos brancos.

 Durante toda a pandemia foi constatado um número gigantesco de contágios e de mortes por covid-19 no Brasil, sendo computados até o momento cerca de 611 mil mortes e  mais de 22 milhões de contágios (www.saude.gov.br). Esses números são absurdamente altos, mesmo sabendo que as estatísticas oficiais são todas subnotificadas. Tais números na verdade evidenciam e demonstram um extermínio de classe no Brasil durante a pandemia do novo coronavírus, onde pobres, desempregados, ambulantes, negros, idosos e índios são as maiores vítimas da covid-19. Sabemos ainda que todas essas mortes se devem essencialmente à falta de assistência médico hospitalar às vítimas da covid-19 e à total ausência de políticas prevenção e de mitigação contra os novos contágios. Não somente no Brasil, mas em todo o mundo, sejam em países ricos ou pobres, o atendimento médico hospitalar se transformou apenas em negócio, onde a saúde humana sempre foi tratada apenas como mercadoria e vendida por um alto preço por empresas de planos de saúde, farmácias, indústrias de remédios, redes de hospitais e fabricantes de vacinas, ficando os pobres e trabalhadores totalmente excluídos do acesso ao atendimento de saúde (ver gráficos 01 e 02 abaixo IBGE PNAD 2020) Toque no gráfico para ampliação.

 


 Gráfico 01 – Busca por atendimento de saúde pela população com sintomas da covid-19 no Brasil (fonte: https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/saude.php). Toque no gráfico para ampliação.


No gráfico 01 acima observamos que apenas 2 milhões de pessoas com sintomas de Covid-19 no Brasil buscaram atendimento médico-hospitalar. Em contrapartida, segundo o gráfico 02 abaixo, 6,3 milhões de pessoas com sintomas da Covid-19 não buscaram atendimento de saúde. As estatísticas comprovam que a ausência de atendimento de saúde às vítimas da pandemia no Brasil é uma realidade alarmante e causa influência direta no grande quantitativo de mortes no país causado pela pandemia do novo coronavírus.




Gráfico 02 – Providências tomadas por aqueles que não buscaram por atendimento de saúde e que apresentavam sintomas da covid-19 no Brasil (fonte: https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/saude.php).  Toque no gráfico para ampliação.

 

O sistema capitalista não possui nenhum compromisso com a qualidade ou acesso à saúde pelos trabalhadores em geral. E quando a saúde das pessoas se transforma apenas em mercadoria, o que se vislumbra no presente é a exclusão e o extermínio de classe entre os trabalhadores pobres em todo o mundo, seja em países ricos como os EUA ou em países pobres, como no caso do Brasil. Mesmo possuindo um sistema público e gratuito de saúde (Sistema Único de Saúde – SUS), que atende uma grande parte da população mais pobre e carente, que não possui condições de pagar um plano de saúde privado, a pandemia contabiliza milhares de vítimas entre a classe mais pobre. Tal sistema público brasileiro, o SUS, encontra-se atualmente sucateado, com precarização das condições de trabalho e ainda com baixa remuneração dos trabalhadores da saúde. Diante desta triste realidade, não podemos nunca dizer que a covid-19 é uma doença “democrática”, pois ela atinge de forma distinta, as diferentes classes sociais, porém, com impactos, consequências e índices de mortalidade bastante diferenciados (ver gráfico 03 abaixo). No gráfico abaixo do IBGE PNAD 2020 (Toque no gráfico para ampliação) podemos analisar que a maior parte das pessoas contaminadas pelo novo coronavírus no Brasil possuem um rendimento familiar per capta inferior a dois (2) salários mínimos. Já a população com renda superior a quatro (4) ou mais salários mínimos per capta foi a que menos se contaminou pelo vírus Sars-Cov-2. Quando se observa e analisa os números da pandemia no Brasil, vê-se claramente que a pandemia é capaz de desmascarar mazelas e injustiças latentes no seio da sociedade brasileira, como as disparidades e abismos sociais, a violência de gênero e ainda o racismo estrutural.



Gráfico 03 – Distribuição dos casos positivos de covid-19 por faixa salarial. (fonte: https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/saude.php). Toque no gráfico para ampliação.


Em outubro de 2020 o Brasil ultrapassou a marca de 600 mil mortes por covid-19 e com mais de 20 milhões de contágios, ficando atrás somente dos EUA em termos numéricos. Estes não são apenas números, a covid-19 é um agente social, e por trás desta complexa e macabra  matemática dos números na pandemia, existem nuances, significados e sentidos em que apenas a matemática não é capaz de explicar sozinha, pois exige um olhar mais acurado e interdisciplinar para uma situação grave de pandemia.

Segundo a OMS, o índice estimado de letalidade do novo coronavírus no mundo é de 0.6%, ou seja,  para cada grupo de 1.000 contaminados, 6 pessoas acabam indo a óbito. Este índice é considerado altíssimo, e demonstra que o vírus é altamente mortal. Para se ter uma ideia, o vírus da gripe A (H1N1) na pandemia de 2009 possuía um índice de letalidade igual a 0,01%. O índice de letalidade pode variar de região para região e também pode alterar em distintas fases da pandemia. O número de pessoas contaminadas pelo vírus Sars-Cov-2 no Brasil é muito grande, porém, o percentual de letalidade não é igual para todos os grupos de pessoas infectadas. Observou-se que o percentual de mortes entre pessoas negras internadas com a covid-19  é maior do que em brancos também internados. Constatou-se também que a mortalidade entre pacientes de hospitais públicos no Brasil que tratam da covid-19 é bem maior do que em hospitais privados.  A explicação para essas diferenças não se dá através da genética destes pacientes, mas sim através de suas origens de classe social.  

Pesquisas recentes divulgadas pelo NOIS (Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, 2020) da PUC do Rio de Janeiro (https://sites.google.com/view/nois-pucrio), constataram que mais da metade dos negros internados por Covid-19 em hospitais no Brasil morreram. Segundo estes estudos, foram analisados 29.933 casos de covid-19, deste total 8.963 eram negros e 54,78% deles morreram. Na mesma pesquisa dos 9.998 brancos internados 37,93% morreram com diagnóstico de covid-19. Analisando os números da pesquisa, pessoas negras entre 30 e 39 anos, tem 2,5 vezes mais chances de morrerem ao serem internadas por Covid-19 do que pessoas brancas da mesma idade (ver gráfico 04 abaixo). Toque no gráfico para ampliação. A explicação da origem destas disparidades numéricas se dá através do chamado racismo estrutural existente no Brasil que promove as diferenças sociais entre pessoas brancas e negras no país. Pesquisas realizadas nos EUA também apontam um índice maior de letalidade pela covid-19 entre negros daquele país.



Gráfico 04 – Percentual de óbitos ou recuperados por raça/cor (fonte: https://sites.google.com/view/nois-pucrio). Toque no gráfico para ampliação.

O racismo estrutural existente no Brasil é o responsável pelos tristes e nefastos números da pesquisa acima. Por mais de 500 anos os negros no Brasil sofreram e ainda sofrem discriminação e exclusão aos meios de acesso ao trabalho, saúde, lazer, estudo e moradia. A herança escravocrata, as imensas desigualdades de classe e a legitimação do racismo e da miséria pelo sistema capitalista, são os principais promotores da alta de letalidade por covid-19 entre os negros brasileiros. Obviamente que as pessoas negras no Brasil que possuem menor acesso às políticas públicas de saúde com qualidade, à moradia digna, ao saneamento básico, e que possuem menores salários e renda do que os brancos,  que tem maiores dificuldades de acesso à escola e ao ensino superior, que são também excluídas do lazer e de uma alimentação completa e de qualidade em comparação com os brancos, consequentemente terão maiores comorbidades como pressão alta, diabetes, sobrepeso e várias outras doenças que podem agravar o estado de saúde ao contrair o novo coronavírus, aumentando assim o chamado índice de letalidade em relação à covid-19.

Pretos e pardos no Brasil possuem o maior índice de letalidade da covid-19 em internações, e também segundo o IBGE, formam a maioria dos trabalhos de menor remuneração, o que evidencia mais uma vez a questão do racismo estrutural no Brasil e a sua relação com a pandemia, já que as pessoas mais expostas são aquelas que exercem trabalhos mais precarizados, como vendedores ambulantes, vigias, atendentes, balconistas, entregadores e etc., e estas são as que possuem maior facilidade de serem contaminadas pelo vírus e adquirirem a covid-19. Enquanto uma minoria de classe mais alta faz o chamado trabalho remoto de suas casas, a maioria formada pelos mais pobres é obrigada a trabalhar no “front” da pandemia, usando diariamente o transporte coletivo, trabalhando nas ruas, supermercados, nas indústrias e no comércio em geral, possuindo as funções ou cargos de entregadores de aplicativos, vigias de supermercados, motoristas de ônibus, funcionários de limpeza, balconistas, operadores de telemarketing, operários, garis, vendedores ambulantes e etc.


Tabela 01 - Relação de mortalidade por covid-19 e renda familiar na cidade de São Paulo (OBSERVATÓRIO COVID-19 BR, 2021).

Na tabela acima (OBSERVATÓRIO COVID-19 BR, 2021) vemos a relação de mortalidade por covid-19 segundo a distribuição de renda no município de São Paulo. Observa -se nesta tabela que  na medida em que se aumenta a pobreza (menor o salário) o risco de óbito por covid-19 aumenta, chegando a ser duas vezes maior entre a população mais pobre.


Tabela 02 - Relação de mortalidade por covid-19 e número de moradores por domicílio na cidade de São Paulo (OBSERVATÓRIO COVID-19 BR, 2021).

Na tabela 02 acima (OBSERVATÓRIO COVID-19 BR, 2021) tem-se a relação do número de moradores por domicílio  (densidade domiciliar) e a mortalidade por covid-19. Notamos na tabela que a medida em que se aumenta a densidade domiciliar a mortalidade também aumenta de forma significativa, chegando a ser a mortalidade 62% maior em domicílios com mais moradores residentes em comparação com domicílios com média inferior a 2,7 moradores por casa (ver tabela 02).

A pandemia escancara as injustiças sociais no Brasil, colocando em evidência o racismo estrutural brasileiro e as suas consequências. O Brasil é  um dos países mais racistas do mundo, o vírus Sars-Cov-2 não matou de forma igual e democrática, o vírus carrega a marca das injustiças e misérias sociais como o racismo, e acaba matando mais os trabalhadores pobres e também os trabalhadores pretos, que são as principais vítimas da exclusão social e também agora as principais vítimas da pandemia.

 

                                        Bibliografia 

                                  

OBSERVATÓRIO COVID-19 BR.  O impacto da desigualdade na mortalidade por covid-19. Em: <https://covid19br.github.io/analises.html?aba=aba6> . Visualizado em: 17/05/2021.


quinta-feira, 6 de maio de 2021

UEG e a Pandemia: exclusão digital e precarização do trabalho




Foto 01 - UEG Unidade Eseffego em Goiânia

Escrito por: G. C. e Silva (UFG) &  R. Coelho (UEG)

A UEG E UM POUCO DE SUA HISTÓRIA

Para se compreender os últimos acontecimentos na UEG durante o atual período de pandemia do vírus Sars-Cov-2, e sobre o exponencial processo de exclusão digital de alunos nos vários campi da universidade espalhados por diferentes cidades do estado de Goiás, faz-se necessário antes entender o seu processo histórico de surgimento durante o final da década de 1990 e  também sobre a sua dinâmica de funcionamento sempre correlacionada aos interesses patrimonialistas e  político-partidários que envolvem a universidade e a classe política goiana.

A Universidade Estadual de Goiás (UEG) surge no ano de 1999 durante o primeiro mandato do governo de Marconi Perillo (PSDB) em Goiás (1999-2002), através da Lei Estadual 13.456 de 16 de abril de 1999, com a fusão da antiga UNIANA de Anápolis, com mais 28 faculdades isoladas e localizadas em distintas regiões de Goiás. Porém, destas 28 Instituições de Ensino Superior (IES), apenas 13 existiam de fato, as demais existiam apenas no papel (CARVALHO 2013). Durante todos os períodos de sua existência, a UEG sempre conviveu com gestões de governos neoliberais, inclusive como a do próprio governo atual de Ronaldo Caiado (DEM), marcado pela continuidade das políticas de gestão essencialmente autoritárias e clientelistas, que transformam a universidade em instrumento de barganha política com os variados grupos políticos de todas as regiões do estado.

Ainda no ano de sua criação, em 1999, no governo de Marconi Perillo, houve várias tentativas para privatização da universidade, com propostas de pagamento de mensalidades aos estudantes da UEG, sob o pretexto de promover novas formas de custeio para a instituição. Tal proposta de privatização da UEG foi sugerida pelo próprio governador em exercício, porém, foi logo rechaçada e combatida pela própria comunidade universitária. (CARVALHO, 2013).

A UEG nasce com uma proposta de interiorização do ensino superior em Goiás, na forma multicampi e abarcando todas as regiões do estado. Durante as duas primeiras décadas deste século, a UEG sofreu um vertiginoso e anômalo processo de expansão a fim de atender apenas as demandas e aos interesses político-eleitorais dos governos estaduais, crescimento este que não seguiu nenhuma diretriz ou planejamento educacional que de fato contemplasse as verdadeiras demandas locais e os reais interesses para a formação de conhecimento e produção de saberes nas várias regiões do estado de Goiás. O seu crescimento vertiginoso e a expansão anômala seguia uma lógica que atendia de forma pragmática e populista às demandas politico-eleitorais de governadores  e políticos locais, de forma a contemplar apenas aos interesses de suas bases eleitorais, não atendendo estudos e planejamentos técnicos sobre as reais e importantes necessidades da população goiana, no que tange a oferta e abertura de novos cursos ou campi nas cidades do interior de Goiás. A UEG passa então de 13 campi, que existiam desde a sua inauguração em 1999, para o número de 44 campi no ano de 2018. Esse abrupto aumento de mais de 300%, foi realizado em menos de duas décadas, caracterizando uma expansão anômala e descontrolada, pois o seu orçamento nunca acompanhou essa mesma proporção de crescimento, permanecendo sempre com investimentos de apenas 2% da arrecadação estadual, porém, esse pequeno percentual nunca era repassado integralmente à UEG.

Seguindo sempre essa lógica clientelista e populista de crescimento, sem aumento proporcional de novos recursos e de investimentos, e sem planejamentos e estudos adequados, os novos campi são inaugurados sem estruturas mínimas de funcionamento, ou seja, sem bibliotecas, sem salas de informática, sem internet, sem restaurantes universitários e sem professores efetivos. A maioria dos funcionários e professores eram contratados pela universidade via processos seletivos simplificados, chegando a números absurdos como em 2010, onde a maioria dos funcionários técnicos administrativos possuíam contratos temporários e mais da metade dos docentes também possuíam contratos temporários, caracterizando uma total precarização do trabalho na universidade.

Durante o ano de 2012, já no terceiro mandato do governo de Marconi Perillo (2011-2014), a UEG sofre um processo de intervenção, com a imposição de um interventor na reitoria nomeado pelo próprio governador. Além da intervenção na reitoria, ainda em 2012 o governador também impõe um novo estatuto para a universidade, que foi aceito e chancelado pelo Conselho Universitário sem diálogo ou participação da comunidade, constituindo-se assim em um estatuto imposto de forma unilateral e autoritária pelo governo. Neste estatuto é inserido pela primeira vez na história da universidade a chamada “lista tríplice”, que outorga ao governador o direito de escolha dos cargos de diretores de campi e também de reitor, a partir da indicação de uma lista com três nomes de candidatos. Essas ações intervencionistas constantes demonstram a falta de autonomia da universidade e a postura patrimonialista dos gestores e políticos sobre a instituição.

A precarização e o sucateamento da UEG chegaram a níveis tão alarmantes que no ano seguinte, em 2013, vários cursos foram paralisados por falta de condições de funcionamento, seja por falta de professores, por falta de laboratórios ou mesmo por falta de estruturas mínimas como insumos ou equipamentos de ensino. A falta de concurso público, a falta de plano de carreira docente e ausência total de políticas de assistência estudantil (como a inexistência de restaurante universitário, moradia estudantil e também a escassez total de bolsas estudantis) fez surgir em abril de 2013 a maior greve da história da UEG, que durou 89 dias. A situação caótica da universidade levou à deflagração espontânea de uma greve constituída de forma auto-organizada, independente e conduzida pela ação direta por professores, alunos e funcionários da universidade, sem a participação de partidos ou de sindicatos. Com o final da greve e o  atendimento de todas as reivindicações da pauta de lutas, vieram a partir de então novos concursos públicos para docentes e técnicos administrativos, a construção do primeiro restaurante universitário da UEG, reformas de campi, aprovação do novo plano de carreira docente, a criação de bolsas permanências, bolsas de extensão e bolsas de pesquisa para os estudantes. A greve demonstrou que o único caminho para a melhoria das condições de trabalho e o aumento da qualidade de ensino na UEG era através da mobilização e da luta coletiva de professores, estudantes e de funcionários.

Já em 2014, a chamada reforma universitária da UEG, muda radicalmente (para pior) os currículos de todos os cursos (currículo 2015/2), e mais uma vez sem a participação da comunidade universitária nos debates ou na construção das novas diretrizes curriculares. O resultado foi a criação de um novo currículo pautado nos princípios do chamado “currículo mínimo”, dentro de paradigmas tecnicistas, com conteúdos aligeirados, fragmentados e contemplando apenas uma formação pragmática voltada meramente a atender o instável e volátil mercado do sub-emprego e do desemprego. As decisões da universidade sempre foram mantidas centralizadas e sem nenhuma relação dialógica com a comunidade universitária, realçando as relações hierarquizadas, burocratizadas e verticais dentro da UEG.

No ano de 2019, o médico e senador Ronaldo Caiado (DEM), assume através de eleições, o governo do estado de Goiás, e segue também a mesma lógica e os mesmos princípios de seus antecessores para com a gestão e administração da UEG, com ideais populistas e eleitoreiras. Ainda no primeiro ano de seu governo, Ronaldo Caiado destitui o Conselho Universitário e também substitui o reitor que possuía ligação política com o ex-governador Marconi Perillo (PSDB), colocando em seu lugar novos interventores na reitoria em Anápolis. E neste mesmo ano, o governador Ronaldo Caiado impõe a chamada reestruturação organizacional da universidade e mais uma promove mudanças estruturais na organização da UEG e sem a participação da comunidade universitária, promovendo a demissão de mais de mil professores e funcionários em regime de contratos temporários e sem a contra partida de realização de novos concursos públicos, gerando aumento da precarização do trabalho e um maior sucateamento da UEG. Essa nova reforma administrativa e organizacional da universidade realizada em 2019, com a extinção de campi, criação de institutos e unidades universitárias, teve a intenção de intensificar a centralização e a burocratização das relações dentro da universidade, no intuito de aumentar o controle das decisões por parte do governo sobre as questões internas da universidade.

Vemos assim que a Universidade Estadual de Goiás, desde as suas origens, vem sendo utilizada pelos gestores e governos como instrumento político-eleitoral durante as duas décadas de sua existência, priorizando ações clientelistas e os caprichos populistas de governantes, ficando sempre em segundo plano temas fundamentais como ensino, pesquisa, extensão,  assistência estudantil, plano de carreira docente, investimentos em tecnologias e em infraestrutura. Estes temas importantes são colocados em pauta pelo governo apenas durante as mobilizações e greves promovidas por estudantes, professores e funcionários da instituição.

Mas, com a chegada da pandemia do novo coronavírus em 2020, os problemas estruturais da UEG já citados anteriormente, e que sempre foram procrastinados pelos governos estaduais que se sucederam, como, por exemplo, a falta de investimentos na universidade, a ausência de infraestrutura de laboratórios e prédios e a carência de assistência estudantil, problemas estes que estão sendo potencializados no atual contexto caótico da pandemia, acarretando maior precarização e intensificação do trabalho, adoecimento docente, aumento da evasão estudantil e a multiplicação da exclusão digital na universidade.

 

A UEG E A PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS: O AUMENTO DA PRECARIZAÇÃO E DA EXCLUSÃO DIGITAL

A destruição acelerada da natureza em um mundo globalizado, a intensificação da precarização do trabalho e da vida humana pelo sistema capitalista, serviram de estopim para o  surgimento descontrolado da pandemia do vírus denominado Sars-Cov-2.
A mercantilização dos serviços básicos de saúde e a total ausência de assistência médica aos trabalhadores, comprovam o total descompromisso e desinteresse do Estado pela saúde dos mais pobres e necessitados, culminando com  a promoção do genocídio de milhões de trabalhadores e trabalhadoras pobres em todo o mundo durante a pandemia, ratificando apenas que neste modelo atual de sociedade, pautado na exploração insaciável do homem pelo homem e pela exploração da natureza, o lucro do capital sempre está acima das vidas humanas. 
A pandemia do novo coronavírus não somente descortina as desigualdades, as misérias e a super-exploração dos trabalhadores em todo o mundo, assim como também as potencializam. As flexibilizações das leis trabalhistas, as reduções salariais, o desemprego, o trabalho remoto e o ensino à distância foram potencializados durante a pandemia do Sars-Cov-2 e em consequência temos o aumento das desigualdades sociais, da miséria, da exclusão social, da discriminação e da precarização do trabalho e da vida humana.
O vírus Sars-Cov-2 não é um vírus chinês, como relatam falsas mensagens replicadas continuamente nas redes sociais, é na verdade um vírus pertencente à natureza e assim como todos os demais vírus, são fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas e da vida na Terra. Os efeitos nefastos da pandemia são consequências do modo de produção capitalista e de sua super-exploração do homem e da natureza. A causa principal das milhões de mortes pela pandemia em todo o planeta está na total ausência  de acesso e de assistência médica de qualidade à maioria dos trabalhadores em todos os países da Terra e à falta de políticas públicas eficazes de prevenção e de mitigação de contágios, sejam em países ricos ou pobres, no entanto, para estes últimos mais pobres, as consequências desta falta de assistência à saúde são muito mais graves e catastróficas.

Durante quase duas décadas de existência da UEG, observa-se que pouca coisa mudou desde as suas origens. As relações continuam ainda mais hierarquizadas, verticalizadas e autoritárias, onde professores, alunos e funcionários não participam ou sequer são plenamente ouvidos pela administração central para a tomada de decisões importantes. Entra governo e sai governo, continuam ainda as práticas clientelistas e patrimonialistas de seus gestores. Faltam investimentos e também maior democratização do ensino superior. E os estudantes da UEG, que já possuíam uma precária e insuficiente assistência estudantil antes mesmo da pandemia, sem moradia estudantil, sem salas de informática, bibliotecas defasadas e muitos campi sem internet, com o advento do sistema emergencial de aulas remotas por tecnologias virtuais durante a pandemia, se transformaram nas maiores vítimas deste vergonhoso processo de exclusão digital. O novo coronavírus, além de escancarar e desmascarar essa triste realidade de sucateamento e precarização do ensino que já existia na UEG desde a sua fundação, passa agora a potencializar as desigualdades e as mazelas existentes dentro da própria universidade, tornando a UEG mais sucateada e mais excludente do que no período anterior à pandemia.

Em 2020, com o surgimento da pandemia do vírus Sars-Cov-2, o governo do Estado de Goiás passa a ser o segundo ente da federação a decretar as regras de isolamento social da população e com a suspensão total das aulas presenciais ainda no mês de março, permitindo a oferta dos conteúdos e disciplinas no formato do chamado Ensino à Distância (EaD). A UEG foi a  única Instituição de Ensino Superior pública em Goiás a dar continuidade às aulas de forma remota durante os primeiros meses de isolamento social e a não paralisar totalmente as atividades de ensino, e com isso não oferecendo tempo hábil para adaptação, preparação e capacitação dos alunos e professores frente à nova realidade de ensino virtual no contexto de pandemia. A Portaria n. 560-2020 emitida pelo novo reitor interventor no dia 16 de março de 2020, suspendeu por apenas 15 dias todas as atividades de aulas presenciais na universidade (UEG, 2020). A partir de então, inicia-se, dentro de um curtíssimo intervalo de tempo, um grande conflito e debate na comunidade universitária da UEG sobre as formas de continuidade das atividades do primeiro semestre de 2020 e de como seriam construídas e realizadas as propostas didático-metodológicas emergenciais e sem aulas presenciais. A reitoria começa então a pressionar professores, alunos e funcionários a aderirem à modalidade de ensino à distância (EaD) como necessária ao contexto da pandemia. Porém, mais uma vez, alunos, professores e funcionários não são ouvidos ou consultados sobre as formas de continuidade das aulas na forma remota ou sobre os novos cronogramas das atividades de ensino, pesquisa e extensão. Também não foram ouvidos sobre quais seriam os pressupostos, as tecnologias viáveis e os princípios metodológicos para as atividades que poderiam ser mantidas e ministradas remotamente durante a pandemia.  E já no dia 25 de março a reitoria passa a implementar de forma unilateral e autoritária o chamado “Plano Emergencial de Ensino e Aprendizagem - PEEA” através da instrução normativa 80-2020, que impõe o ensino à distância como regra e modelo a ser seguido e adotado por toda a universidade (UEG, 2020b).

Houve manifestações contrárias à imposição pragmática e autoritária do EaD na universidade pela reitoria. Muitos professores, alunos e funcionários se manifestaram contrários às decisões unilaterais da reitoria. Alguns cursos paralisaram as atividades, porém, a maioria dos campi aderiram à nova proposta de implementação do EaD na universidade, mesmo não tendo as condições mínimas necessárias de infraestrutura adequada. O grande embate não era contra a necessidade de continuidade das aulas na forma não presencial, mas sim a maneira pela qual a reitoria e o governo impuseram de forma abrupta a escolha do EaD sem diálogo e também sem nenhuma contrapartida por parte do governo no que se referia ao acesso e financiamento de computadores e internet para alunos e também para os professores mais necessitados.

Na verdade, o que se assistiu a partir de então, foi uma total e nefasta exclusão digital experimentada por alunos e também por professores da universidade, na falta de acesso à internet e sem a oferta de nenhuma capacitação ou formação para se ambientarem a estas novas e complexas tecnologias e plataformas digitais. Estudantes da UEG relataram que não possuíam internet em suas residências, muitos foram e ainda estão sendo obrigados a assistirem as aulas através de celulares smartphones, e centenas de outros abandonaram os cursos ou trancaram as matrículas. Vários professores utilizam grupos em aplicativos de whatsapp para envio de conteúdos de aulas aos seus alunos. Além de não haver tempo para a adaptação e de capacitação para o novo formato de aulas mediadas por tecnologias virtuais, não houve a disponibilidade por parte da universidade do acesso aos equipamentos e tecnologias necessárias para o efetivo aprendizado e acompanhamento das atividades em EaD aos estudantes.

 

Analisando a partir da realidade dos cursos de História da UEG, constatamos que os 11 cursos oferecidos pela Universidade estão todos localizados em cidades do interior do estado. Embora muitas dessas cidades sejam consideradas polos urbanos nas regiões em que está inserida, a maioria dos alunos que os campus ou unidades recebem não residem nas cidades polos, mas em regiões circunvizinhas com acentuada características rurais ou mesmo em comunidades rurais, o que torna o acesso à internet ainda mais precário, sem falar do aporte econômico necessário, que nem todos os alunos dispõem, para o acesso a equipamentos e sinal de internet de qualidade.  (CANTANHEIDE, 2020, p.91)

 

Não se pode esquecer tão pouco que o contexto em que se discute a exclusão digital é o contexto de uma pandemia causada por um vírus altamente letal, que tem levado a morte milhares de pessoas no país e no mundo todo, e que é capaz de provocar abalos familiares e transtornos psíquicos e emocionais em alunos, professores e funcionários. Somando a toda essa exclusão que a implantação pragmática e irresponsável do Ensino à Distância na UEG tem provocado dentro da comunidade universitária, também podemos acrescentar a essa tragédia o desemprego e a queda de renda entre os familiares dos estudantes, funcionários e professores durante a atual pandemia, sendo capazes de provocar ainda mais transtornos, estresse  e dificuldades materiais e emocionais.

O que estamos assistindo atualmente na UEG, em meio à pandemia do novo coronavírus,  é um total aniquilamento dos propósitos e sentidos de uma universidade pública, com aumento exponencial da precarização e da exclusão digital de estudantes e de professores, que fazem aumentar ainda mais as injustiças sociais e os abismos já existentes no meio acadêmico. Existe uma obstinação dos gestores da universidade apenas na manutenção e funcionamento da instituição com a reprodução de conteúdos, disciplinas e de aulas, ainda que sem nenhuma qualidade ou adesão de alunos, no sentido apenas de garantir um falsa normalidade (“Novo Normal”) em um ano eleitoral no país, e utilizando mais uma vez a universidade como instrumento de barganha política e propaganda eleitoral.

Vemos assim que a UEG continua sendo como sempre foi no decorrer destas duas décadas de sua existência, uma instituição totalmente burocratizada, hierarquizada, verticalizada e anti-democrática, onde os sujeitos que a integram, professores, alunos e funcionários,  nunca são ouvidos pelos gestores, tendo suas vozes sempre silenciadas pela burocracia institucional. Os desmandos e os caprichos de políticos e gestores, a transformam numa instituição incapaz de realizar a sua verdadeira função na democratização e a universalização do saber, se prestando apenas a formar mão de obra barata para o mercado do subemprego e do desemprego e a servir de capital político aos governos de plantão. E a pandemia do novo coronavírus tem servido para escancarar todas essas tragédias e desigualdades dentro da própria universidade, além de aumentar exponencialmente todas essas injustiças, potencializa também a própria exclusão de estudantes e professores pobres dentro da universidade, desvirtuando e aniquilando todos os sentidos e os valores daquilo que deveria ser uma verdadeira universidade pública.

 

CONCLUSÃO

Vemos que a pandemia do novo coronavírus não somente tem sido capaz de escancarar as mazelas e injustiças já existentes na Universidade Estadual de Goiás, mas também tem potencializado de forma exponencial as dificuldades de acesso ao saber entre alunos e professores mais carentes pertencentes à instituição. O advento da pandemia e a completa ausência de políticas públicas de financiamento e de acesso às tecnologias virtuais estão a promover a maior exclusão de alunos e professores em toda história da UEG, seja na forma da exclusão digital, sem o fornecimento adequado e de qualidade de acesso à internet, seja também a exclusão promovida pela ausência de políticas de assistência estudantil de qualidade. A total falta de recursos e de investimentos na UEG, ao longo de toda a sua existência, vem somente a aprofundar ainda mais o abismo da exclusão e da injustiça social dentro da universidade nestes tempos nefastos e sombrios de pandemia.

BIBLIOGRAFIA

CANTANHEIDE, F. P. Educação Superior em Tempo de Pandemia: a experiência da UEG. In: ALVES, M.F.; REIS, L.C.R.R.; SILVA, F.L. (Orgs.). Educação em Risco nos Tempos de Pandemia: diálogos sobre política e práticas. Goiânia: Editora Espaço Acadêmico, 2020. p.85-103.

CARVALHO, R. R. S.; Universidade Estadual de Goiás: histórico, realidade e desafios. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013.

GOIÁS. Decreto n. 9.633, de 13 de março de 2020. Dispõe sobre a decretação de situação de emergência na saúde pública do Estado de Goiás, em razão da disseminação do novo coronavírus (2019-nCov). Diário Oficial Estado de Goiás: Goiânia, GO, ano 183, nº 23.257, p. 1-2, 13 mar. 2020.

UEG. Portaria n.560/2020 de 16 março de 2020.

_____. Instrução Normativa nº 80/2020 da Pró-reitoria de Graduação de 25 de março de 2020.


 

terça-feira, 4 de maio de 2021

Educação Física e o Mundo do Trabalho na Pandemia


 Figura 01 - Quadras do Centro de Excelência dos Esportes - ESEFFEGO


(Escrito por Renato Coelho)

A destruição acelerada da natureza, a intensificação da precarização do trabalho e da vida humana pelo sistema capitalista, fizeram surgir a pandemia do vírus Sars-Cov-2 e seus efeitos nefastos por todas as nações da Terra.
A mercantilização dos serviços básicos de saúde, a total ausência de assistência médica aos trabalhadores, aliado ao total descompromisso e desinteresse do Estado pela saúde e pela vida humana, promovem o extermínio de classe entre milhões de trabalhadores e trabalhadoras pobres em todo o mundo, onde o lucro e a exploração rapace do capital prevalecem sobre a vida humana.
A pandemia do coronavírus descortina as desigualdades, as misérias e a super-exploração dos trabalhadores em todo o mundo. Enquanto milhões de trabalhadores perdem o emprego, a renda e a própria vida na pandemia, as grandes empresas e multinacionais faturaram cifras astronômicas com lucros recordes durante os períodos de quarentena e de isolamento social verificados durante o primeiro semestre de 2020 e também em 2021.
As flexibilizações das leis trabalhistas, as reduções salariais, o desemprego, o trabalho remoto e o ensino à distância foram potencializados durante a pandemia do Sars-Cov-2 e em consequência o aumento das desigualdades sociais, da miséria e da precarização do trabalho e da vida humana.
Neste espaço virtual iremos analisar a dinâmica e as contradições do mundo do trabalho no sistema capitalista em meio à pandemia do novo coronavírus. A pressão de governos, da mídia e de empresários para a volta à normalidade e a falácia maquiavélica do chamado "Novo Normal" traduzem os valores e os princípios que norteiam e regem a atual sociedade capitalista, desvalorizando a vida humana e priorizando tão somente a produção de mercadorias e a acumulação do capital.
O vírus Sars-Cov-2 não é um vírus chinês como se tem divulgado no senso comum, é na verdade um vírus pertencente à natureza e assim como todos os demais vírus, são fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas e da vida na Terra. Os efeitos nefastos da pandemia são consequência do modo de produção capitalista e de sua super-exploração do homem e da natureza. A causa principal das milhões de mortes em todo o planeta não é a covid-19, mas sim a total ausência  de assistência médica de qualidade à maioria dos trabalhadores em todos os países da Terra e também a inexistência de políticas públicas eficazes e contínuas de auxílio financeiro aos afetados diretamente pelo desemprego e pela falta de renda, sejam elas em países ricos ou pobres, sendo que, para estes últimos, os mais pobres, as consequências da falta de assistência à saúde são piores e mais catastróficas ainda.

A área da Educação Física e Esportes talvez seja uma das mais afetadas na pandemia, com altas taxas de demissões em escolas, academias e universidades. A total falta de políticas de controle e de prevenção para a Covid-19 no Brasil  tem provocado o descontrole sanitário da pandemia no país, acarretando a morte de milhares de brasileiros e também falências de empresas, academias e escolas de pequeno e médio porte. A pressão pela abertura de escolas, universidades e academias em pleno auge de contágios no Brasil também tem provocado o aumento da proliferação do vírus Sars-Cov-2, assim como também a uma maior exposição de professores de educação física e de seus familiares, tendo como consequência o aumento de contágios e de mortes entre trabalhadores(as) em geral, e em específico também da área da Educação Física e Esportes. 

Neste atual contexto sombrio, o nosso propósito nesta plataforma virtual será em relacionar e discutir educação, esporte, educação física e trabalho na sociedade capitalista, marcada por desigualdades sociais, exploração, precarização e extermínio de classe em tempos de pandemia do vírus Sars-Cov-2.