terça-feira, 25 de agosto de 2020

A matemática dos contágios e os números absurdos na pandemia.




Quando se estuda epidemias ou pandemias, é muito útil e imprescindível o uso das ciências matemáticas a fim de se compreender melhor a dinâmica e o funcionamento dos elementos, das variáveis e dos sujeitos envolvidos no contexto em questão, facilitando assim a compreensão e a análise do real. Uma epidemia causada por determinado vírus, surge na natureza obedecendo a matemática dos contágios, tal matemática segue certa lógica, mas nem sempre seus padrões são previsíveis e exatos, o que dependerá muito das variáveis  e dos dados que se tem em mãos, da sua aproximação ao comportamento real  e também das características específicas do vírus. Sendo assim, às vezes, é possível realizar projeções e simulações aproximadas sobre o comportamento de contágios dentro de uma pandemia, corroborando para o seu estudo e consequentemente para o seu efetivo combate e extinção. É muito importante também tentar compreender sobre a maneira na qual se espalha uma doença através dos contatos humanos, as oscilações e a sua dinâmica no tempo e no espaço. 

Imaginemos, por exemplo, uma escola infantil de médio porte, que possua 300 crianças matriculadas no total. Não podemos esquecer que escolas, por definição, são locais de aglomerações de alunos, professores, funcionários e pais de alunos. E estudos recentes apontam que numa abertura de escola, apenas até o segundo dia de aula, apenas uma criança é capaz de realizar em média cerca de 808 contatos com outras pessoas, considerando apenas o trajeto de sua casa para a escola e da escola para casa (ver em Jornal EL PAIS 2020). Pois a mobilidade de uma criança à escola envolve uma complexa dinâmica social que vai desde o contato intra-familiar, o translado para a escola, o uso do transporte coletivo, por exemplo, contatos com prestadores de serviços, contatos intra-escolares com colegas de sala, professores e funcionários da escola.

Seguindo a matemática da escola  de educação infantil, tomada no exemplo acima, podemos então fazer contas simples de álgebra e descobrir que somente até o terceiro dia de aula, teremos no total cerca de 300x808 = 242.400 contatos realizados por todas essas crianças de uma única escola. Imaginemos agora que apenas uma destas crianças se contamine na escola ou no trajeto casa-escola ou escola-casa. Levando-se em conta que a maioria das crianças que testam positivo para a covid-19 são assintomáticas e que as crianças contaminadas possuem mais carga viral do que um adulto jovem também contaminado, então, pode-se perceber a gravidade e o perigo de se aumentar grandemente as contaminações através da mobilidade num ambiente escolar, principalmente quando não se tem o controle de uma pandemia e quando os contágios seguem em alta escala, mesmo sabendo que estudos empíricos demonstram que as transmissões a partir de crianças para adultos possuem menor probabilidade de ocorrer, do que a transmissão realizada a partir  de pessoas adultas. Nota-se entretanto, que é grande o risco em se contaminar crianças escolares em regiões onde não há controle do vírus e as transmissões são altas (Ro>1), como atualmente ocorre no Brasil. E também deve-se ressaltar que os riscos tornam-se ainda mais altos quando as crianças ao serem contaminadas, levam o vírus para as suas casas, e ao levarem o vírus para o ambiente familiar acabam contaminando também parentes, principalmente aqueles pertencentes ao chamado grupo de risco, como os avós, por exemplo. Vale lembrar ainda que um porcentual consideravelmente grande de professores e de funcionários das escolas no Brasil são pertencentes ao chamado grupo de risco para a covid-19.

Vê-se assim, que o grande risco na abertura de escolas em países como o Brasil, que não possui uma política pública nacional de  testagem em massa, de rastreamento e de isolamento de pessoas contaminadas com o vírus Sars-Cov-2, é o surgimento de uma descontrolada e avassaladora segunda onda de contágios. A segunda onda representa o encontro de pessoas contaminadas com aquelas que estavam até então isoladas em suas residências. Quando este grande grupo de pessoas que outrora estavam isoladas e sem contato com o coronavírus encontram e se socializam com pessoas contaminadas, faz surgir assim a chamada segunda onda de infectados, que pode vir a ser até mais avassaladora do que a primeira onda.

O crescimento e a velocidade das epidemias obedecem às chamadas curvas exponenciais, onde a velocidade do surgimento de novos casos estará sempre relacionada ao número de casos pré-existentes, crescendo vertiginosamente numa progressão geométrica, podendo dobrar em semanas ou dias a quantidade total de novos casos e de óbitos, a depender de sua dinâmica. A forma e a trajetória desta curva se relaciona a vários fatores, como o nível de isolamento populacional, o uso de protocolos de saúde, como por exemplo, o uso obrigatório de máscaras em locais públicos, a existência ou não de vacinas, da quantidade de pessoas imunes e também às características do próprio vírus.



O chamado coeficiente de transmissão (Ro) mede a velocidade de transmissão do vírus, ou seja, ele é capaz de nos informar se a pandemia em determinada região ou país está em processo de aceleração ou de desaceleração. Para se medir o Ro basta apenas dividir o número total de pessoas contaminadas atualmente pelo número total de pessoas contaminadas nos sete dias anteriores. Sendo Ro > 1 a epidemia está em estágio de crescimento acelerado, e sendo Ro < 1, significa que a pandemia está em processo de desaceleração. Por exemplo, uma região com Ro = 1,2 significa que 10 pessoas são capazes de contaminar outras 12 pessoas (aumento da transmissão). Se o Ro = 0,8 significa que 10 pessoas são capazes de contaminar outras 8 pessoas (transmissão em desaceleração).

Quando se promove o isolamento social é justamente para tentar frear a curva exponencial e achatá-la, ou seja, de permitir que o sistema de saúde local tenha condições de atender à grande demanda exigida pela pandemia, sem permitir com que o sistema de saúde entre em colapso. Entretanto, o que assistimos no Brasil, durante o primeiro semestre de 2020, foi que nenhum governo estadual e muito menos o governo federal conseguiram achatar a curva e evitar o colapso do sistema de saúde nas diferentes regiões do país. As curvas atingiram o pico abruptamente e de forma avassaladora nas regiões Norte, Sul, Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste do Brasil sem exceções. De fato o que provocou a desaceleração e a queda da curva de contágios e de óbitos em determinadas regiões foram, infelizmente, o grande número de mortos e de contaminados. Se construiu uma verdadeira "barreira" de contágios nos estados brasileiros que desaceleraram a curva exponencial em tempos distintos, porém, esta barreira foi constituída basicamente pelo número exagerado de mortos e de pessoas contaminadas, o que fez o vírus diminuir a sua velocidade de propagação. Somente em agosto de 2020 alcançamos o número assustador de mais de 114 mil mortes e mais de 3 milhões de pessoas contaminadas, lembrando que esses são os números oficiais são subnotificados. Segundo pesquisas realizadas pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) os dados reais ultrapassam seis a sete vezes os dados oficiais. Deixar a própria natureza conduzir uma pandemia e permitir com que o alto número de contaminados e mortos desacelere por si mesmo a curva de crescimento exponencial, pode-se denominar tal política de extermínio de classe, onde a maior parte das vítimas são trabalhadores pobres, pretos, índios e idosos.

unca houve no Brasil quarentena verdadeiramente falando, as constantes e apressadas flexibilizações do comércio, a forte pressão do governo Federal para o fim do isolamento social adotado por governadores e ainda a falta de remuneração salarial por parte do Estado para que as pessoas   pudessem realmente se manterem em casa durante as quarentenas, fizeram fracassar qualquer tipo de isolamento social no país. Não é possível para as famílias de trabalhadores  se manterem afastadas do trabalho e em casa sem uma remuneração salarial compensatória e digna por parte do Estado. O chamado auxílio emergencial além de ter sido tardio, com um valor inicial irrisório de apenas 600 reais, tornou inviável qualquer forma de quarentena ou de isolamento social eficaz para a  maioria dos trabalhadores e de desempregados do Brasil. Era dever do Estado financiar e garantir  a quarentena da população brasileira durante o primeiro semestre de 2020 com remuneração salarial digna (valor maior ou igual a 01 salário mínimo) para todos os trabalhadores e desempregados  brasileiros que foram obrigados a ficarem em casa durante a quarentena. Tal medida não somente permitiria a realização da quarentena por milhões de brasileiros, reduzindo os contágios e mortes, assim como também garantiria a manutenção dos empregos a curto e médio prazo.

O que assistimos atualmente é o vírus totalmente fora de controle e matando cerca de mil pessoas diariamente no Brasil, e os governos estaduais e o governo Federal pressionando os trabalhadores para uma “vida normal”, o que a imprensa denomina de “novo normal”, porém, um normal que não existe e nunca existiu nem mesmo antes da pandemia. Se antes da pandemia os números da miséria e de desempregados eram altos, promovendo uma vida anormal e desumana para milhões, agora na pandemia, esses números aumentam ainda mais. A pandemia apenas potencializa e desnuda as injustiças e mazelas do Brasil  e caracteriza o extermínio de classe como uma política pública adotada pelo Estado brasileiro no período da pandemia do novo coronavírus,

2 comentários:

  1. No meu ponto de vista esta medida foi tomada de forma errada, as pessoas deveriam ter sido conscientizadas desde o início, porquê no momento em que o vírus chegou ao Brasil muitos (se não todos) ficaram com medo e aderiram ao isolamento ou quarentena, mas com o passar dos meses as pessoas foram perdendo o medo e quebraram o isolamento fazendo festas e "aglomerando".

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  2. O país é "ótimo" no que se refere a tomada de decisões, o vírus estava circulando antes do Carnaval mas como essa festa é de suma importância para os maiorais do país, esperaram a mesma passar para poder trazer a realidade ao povo. Vemos nessa quarentena o real interesse dos políticos e grandes empresários. A vida fica em segundo plano pois o lucro é muito mais importante. Agora com a chegada das eleições o pânico passou e os políticos que tanto fizeram alarde estão tranquilizando o povo dizendo que o pior já passou! Aguardemos as cenas dos próximos capítulos...

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