(Escrito por Renato
Coelho)
Em plena pandemia do novo coronavírus
temos assistido a multiplicação de manifestações anti-racistas em vários países
do mundo, e não é por menos, pois com o surgimento da pandemia houve também um
aumento exponencial da violência contra os negros. A pandemia não somente tem
escancarado a existência do racismo estrutural na sociedade capitalista, assim
como também tem feito aumentar a exclusão e a morte de negros.
Temos como exemplos emblemáticos a
morte brutal do trabalhador norte americano George Floyd na cidade de
Minneapolis, assassinado por agentes da polícia local. E mais recente a morte
do soldador João Alberto no interior de um hipermercado da cidade de Porto
Alegre, também morto covardemente por
agentes de segurança. Ambas as mortes demonstram a existência de um racismo
estrutural na sociedade, onde o negro é sempre tratado de forma
discriminatória, desumana e com ações violentas, recebendo um tratamento
diferenciado e desproporcional em relação aos brancos.
Atualmente tem-se constado um número gigantesco de contágios e de mortes por covid-19 no Brasil, sendo computados até o dia de hoje cerca de 16 milhões de contágios e mais de 430 mil mortos (www.saude.gov.br). Esses números são absurdamente altos, mesmo sabendo que as estatísticas oficiais são todas subnotificadas. Tais números na verdade evidenciam e demonstram um extermínio de classe no Brasil durante a pandemia do novo coronavírus, onde pobres, desempregados, ambulantes, negros, idosos e índios são as maiores vítimas da covid-19. Sabemos ainda que todas essas mortes se devem essencialmente à falta de assistência médico hospitalar às vítimas da covid-19 e à total ausência de políticas prevenção mastigação contra os novos contágios. Não somente no Brasil, mas em todo o mundo, sejam em países ricos ou pobres, o atendimento médico hospitalar se transformou apenas em negócio, onde a saúde humana sempre foi tratada apenas como mercadoria e vendida por um alto preço por empresas de planos de saúde, farmácias, indústrias de remédios, redes de hospitais e fabricantes de vacinas, ficando os pobres e trabalhadores totalmente excluídos do acesso ao atendimento de saúde (ver gráficos 01 e 02 abaixo IBGE PNAD 2020).
No gráfico 01 acima observamos que apenas 2 milhões de pessoas com sintomas de Covid-19 no Brasil buscaram atendimento médico-hospitalar. Em contrapartida, segundo o gráfico 02 abaixo, 6,3 milhões de pessoas com sintomas da Covid-19 não buscaram atendimento de saúde. As estatísticas comprovam que a ausência de atendimento de saúde às vítimas da pandemia no Brasil é uma realidade alarmante e causa influência direta no grande quantitativo de mortes no país causado pela pandemia do novo coronavírus.
Gráfico 02 – Providências tomadas por aqueles que não buscaram por
atendimento de saúde e que apresentavam sintomas da covid-19 no Brasil (fonte: https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/saude.php)
O sistema capitalista não possui nenhum compromisso com a qualidade ou acesso à saúde pelos trabalhadores em geral. E quando a saúde das pessoas se transforma apenas em mercadoria, o que se vislumbra no presente é a exclusão e o extermínio de classe entre os trabalhadores pobres em todo o mundo, seja em países ricos como os EUA ou em países pobres, como no caso do Brasil. Mesmo possuindo um sistema público e gratuito de saúde (Sistema Único de Saúde – SUS), que atende uma grande parte da população mais pobre e carente, que não possui condições de pagar um plano de saúde privado, a pandemia contabiliza milhares de vítimas entre a classe mais pobre. Tal sistema público brasileiro, o SUS, encontra-se atualmente sucateado, com precarização das condições de trabalho e ainda com baixa remuneração dos trabalhadores da saúde. Diante desta triste realidade, não podemos nunca dizer que a covid-19 é uma doença “democrática”, pois ela atinge de forma distinta, as diferentes classes sociais, porém, com impactos, consequências e índices de mortalidade bastante diferenciados (ver gráfico 03 abaixo). No gráfico abaixo do IBGE PNAD 2020 podemos analisar que a maior parte das pessoas contaminadas pelo novo coronavírus no Brasil possuem um rendimento familiar per capta inferior a dois (2) salários mínimos. Já a população com renda superior a quatro (4) ou mais salários mínimos per capta foi a que menos se contaminou pelo vírus Sars-Cov-2. Quando se observa e analisa os números da pandemia no Brasil, vê-se claramente que a pandemia é capaz de desmascarar mazelas e injustiças latentes no seio da sociedade brasileira, como as disparidades e abismos sociais, a violência de gênero e ainda o racismo estrutural.
Gráfico 03 – Distribuição dos casos positivos de covid-19 por faixa salarial. (fonte: https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/saude.php)
Em agosto de 2020 o Brasil ultrapassou
a marca de 100 mil mortes por covid-19 e com mais de 3 milhões de contágios,
ficando atrás somente dos EUA em termos numéricos. Estes não são apenas
números, a covid-19 é um agente social, e por trás desta complexa e
macabra matemática dos números na pandemia, existem nuances, significados
e sentidos em que apenas a matemática não é capaz de explicar sozinha, pois
exige um olhar mais acurado e interdisciplinar para uma situação tão caótica em
que vive o Brasil neste período atual de início de uma grande e avassaladora terceira onda de contágios, onde a pandemia ainda encontra-se sem controle e em
aceleração contínua.
Segundo a OMS o índice estimado de
letalidade do novo coronavírus no mundo é de 0.6%, ou seja, para cada
grupo de 1.000 contaminados, 6 pessoas acabam indo a óbito. Este índice é
considerado altíssimo, e demonstra que o vírus é altamente mortal. Para se ter
uma ideia, o vírus da gripe A (H1N1) na pandemia de 2009 possuía um índice de
letalidade igual a 0,01%. O índice de letalidade pode variar de região para
região e também pode alterar em distintas fases da pandemia. O número de
pessoas contaminadas pelo vírus Sars-Cov-2 no Brasil é muito grande, porém, o
percentual de letalidade não é igual para todos os grupos de pessoas
infectadas. Observou-se que o percentual de mortes entre pessoas negras
internadas com a covid-19 é maior do que em brancos também contaminados.
Constatou-se também que a mortalidade entre pacientes de hospitais públicos no
Brasil que tratam da covid-19 é bem maior do que em hospitais privados. A
explicação para essas diferenças não se dá através da genética destes
pacientes, mas sim através de suas origens de classe social.
Pesquisas recentes divulgadas pelo NOIS
(Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, 2020) da PUC do Rio de Janeiro (https://sites.google.com/view/nois-pucrio),
constataram que mais da metade dos negros internados por Covid-19 em hospitais
no Brasil morreram. Segundo estes estudos, foram analisados 29.933 casos de
covid-19, deste total 8.963 eram negros e 54,78% deles morreram. Na mesma
pesquisa dos 9.998 brancos internados 37,93% morreram com diagnóstico de
covid-19. Analisando os números da pesquisa, pessoas negras entre 30 e 39 anos,
tem 2,5 vezes mais chances de morrerem ao serem internadas por Covid-19 do que
pessoas brancas da mesma idade (ver gráfico 04 abaixo). A explicação da
origem destas disparidades numéricas se dá através do chamado racismo
estrutural existente no Brasil que promove as diferenças sociais entre pessoas
brancas e negras no país. Pesquisas realizadas nos EUA também apontam um índice
maior de letalidade pela covid-19 entre negros daquele país.
O racismo estrutural existente no
Brasil é o responsável pelos tristes e nefastos números da pesquisa acima. Por
mais de 500 anos os negros no Brasil sofreram e ainda sofrem discriminação e
exclusão aos meios de acesso ao trabalho, saúde, lazer, estudo e moradia. A
herança escravocrata, as imensas desigualdades de classe e a legitimação do
racismo e da miséria pelo sistema capitalista, são os principais promotores da
alta de letalidade por covid-19 entre os negros brasileiros. Obviamente que as
pessoas negras no Brasil que possuem menor acesso às políticas públicas de saúde com qualidade, à moradia digna, ao saneamento básico, e que
possuem menores salários e renda do que os brancos, que tem maiores
dificuldades de acesso à escola e ao ensino superior, que são também excluídas
do lazer e de uma alimentação completa e de qualidade em comparação com os
brancos, consequentemente terão maiores comorbidades como pressão alta,
diabetes, sobrepeso e várias outras doenças que podem agravar o estado de saúde
ao contrair o novo coronavírus, aumentando assim o chamado índice de letalidade
em relação à covid-19.
Pretos e pardos no Brasil possuem o maior índice de letalidade da covid-19 em internações, e também segundo o IBGE, formam a maioria dos trabalhos de menor remuneração, o que evidencia mais uma vez a questão do racismo estrutural no Brasil e a sua relação com a pandemia, já que as pessoas mais expostas são aquelas que exercem trabalhos mais precarizados, como vendedores ambulantes, vigias, atendentes, balconistas, entregadores e etc., e estas são as que possuem maior facilidade de serem contaminadas pelo vírus e adquirirem a covid-19. Enquanto uma minoria de classe mais alta faz o chamado trabalho remoto de suas casas, a maioria formada pelos mais pobres é obrigada a trabalhar no “front” da pandemia, usando diariamente o transporte coletivo, trabalhando nas ruas, supermercados, nas indústrias e no comércio em geral, possuindo as funções ou cargos de entregadores de app, vigias de supermercados, motoristas de ônibus, funcionários de limpeza, balconistas, operadores de telemarketing, operários, garis, vendedores ambulantes e etc.
Na tabela acima (OBSERVATÓRIO COVID-19 BR, 2021) vemos a relação de mortalidade por covid-19 segundo a distribuição de renda no município de São Paulo. Observa -se nesta tabela que na medida em que se aumenta a pobreza (menor o salário) o risco de óbito por covid-19 aumenta, chegando a ser duas vezes maior entre a população mais pobre.
Tabela 02 - Relação de mortalidade por covid-19 e número de moradores por domicílio na cidade de São Paulo.(OBSERVATÓRIO COVID-19 BR, 2021)
Na tabela 02 acima (OBSERVATÓRIO COVID-19 BR, 2021) tem-se a relação do número de moradores por domicílio (densidade domiciliar) e a mortalidade por covid-19. Notamos na tabela que a medida em que se aumenta a densidade domiciliar a mortalidade também aumenta de forma significativa, chegando a ser a mortalidade 62% maior em domicílios com mais moradores residentes em comparação com domicílios com média inferior a 2,7 moradores por casa (ver tabela 02).
A pandemia escancara as injustiças
sociais no Brasil, colocando em evidência o racismo estrutural brasileiro e as
suas consequências. O Brasil é um dos
países mais racistas do mundo, o vírus Sars-Cov-2 não mata de forma igual e
democrática, o vírus carrega a marca das injustiças e misérias sociais como o
racismo, e acaba matando mais os trabalhadores pobres e também os trabalhadores
pretos, que são as principais vítimas da exclusão social e também agora as
principais vítimas da pandemia.
Bibliografia