(Escrito por Renato Coelho)
A pandemia do novo coronavírus tem
afetado todos os países e tem demonstrado o fracasso mundial na assistência à
saúde dos trabalhadores. Observamos, porém, que a propagação do vírus pelo
planeta afeta de forma distinta os seus habitantes, promovendo consequências e
impactos que vão muito além dos números, estatísticas ou gráficos. A
geopolítica da pandemia envolve questões não apenas biológicas, genéticas ou
sanitárias, mas está relacionada sobretudo a questões sociais e de classe.
Vemos assim que a pandemia tem afetado os trabalhadores mais pobres e de forma
mais acentuada as populações mais vulneráveis. Numa sociedade dividida em
classes, a pandemia se torna bastante seletiva em seus efeitos negativos, ou
seja, os contágios e óbitos são proporcionalmente maiores entre a população
trabalhadora e a mais pobre.
Os números da pandemia no Brasil
apontam também que a maior parcela das vítimas dos contágios pelo novo
coronavírus são do sexo feminino. As mulheres brasileiras estão se contaminando
numa proporção muito maior do que os homens na pandemia do novo coronavírus,
entretanto, o número de óbitos entre a população masculina é maior em relação
às mortes de mulheres por covid-19. Segundo pesquisas realizadas pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 56% dos infectados pela covid-19
no Brasil são do sexo feminino e 44% são do sexo masculino, porém, em relação
ao número de óbitos pela pandemia no Brasil os números se invertem, sendo 55%
do sexo masculino e 45% do sexo feminino. (DIAS, 2020). Além da pandemia de
contágios de covid-19, o Brasil também experimenta atualmente uma pandemia de
violência contra as mulheres e uma pandemia de feminicídios, que também seguem
um modelo de curva exponencial.
A explicação para esse fenômeno não se
deve apenas às diferenças genéticas ou biológicas entre homens e mulheres,
também não pode ser explicado somente pelas características ou pela dinâmica de
contágio do vírus Sars-Cov-2. A covid-19 inicialmente era considerada uma
doença respiratória e a sua origem em Wuhan na China foi a princípio tratada
pelas autoridades locais como uma epidemia que causava pneumonia. Porém, com o passar dos meses, com as novas
descobertas e as experiências acumuladas no tratamento da Covid-19,
descobriu-se que se trata de uma doença multissistêmica, ou seja, capaz de atacar
todos os órgãos do organismo e não somente os pulmões como se pensava
iniciamente, além disso, ainda é uma doença muito nova e desconhecida apesar de
todas as descobertas científicas a seu respeito. Daí ser importante também uma
análise multifatorial sobre essa doença letal. A ciência ainda engatinha na
compreensão da covid-19 sobre o organismo humano e as suas consequências a médio
e a longo prazo.
Não se sabe ao certo as razões
biológicas capazes de explicar, por exemplo, o maior número de mortes entre os
homens. No entanto, já é comprovado cientificamente que o sistema imunológico feminino é mais eficiente
do que o sistema imunológico masculino. Alguns cientistas apontam que a
explicação para tal fenômeno esteja no cromossomo “X” humano, que possui
importante atuação sobre o sistema imunológico, sendo que as mulheres possuem o
dobro de cromossomos X nas células (mulheres XX) do que os homens (XY). O
cromossomo X possui vários genes importantes para a composição e o
funcionamento do sistema imunológico. Outras pesquisas ainda recentes apontam
para questões de diferenças hormonais entre homens e mulheres, onde o hormônio
feminino estrogênio possui importante papel também sobre o funcionamento das
células que compõe o sistema imunológico. Pode-se destacar ainda, questões de
âmbito cultural, capazes de demonstrar que o homem se preocupa menos com os
cuidados de saúde, procurando, na maioria dos casos, o tratamento médico de
forma tardia, diferentemente do comportamento das mulheres de uma forma em geral.
(DOMINGUES, 2021).
Na sociologia do trabalho também se
evidenciam as questões de gênero capazes de explicar o maior contágio por
covid-19 entre mulheres. Sabe-se que os cargos mais importantes do mercado de
trabalho, como os de chefia, gerência e presidência são ocupados
majoritariamente por homens. Os salários das mulheres são mais baixos para os
mesmos cargos e funções ocupados por homens. Pesquisas do IBGE (2018) apontam
que além das mulheres receberem salários inferiores aos dos homens, elas
possuem uma carga horária semanal de trabalho maior do que a dos homens
ocupantes das mesmas funções. Ao considerarmos as mulheres negras, as
discrepâncias são ainda maiores em relação aos homens brancos, devido ao
chamado racismo estrutural brasileiro.
Em 2018, o rendimento médio das mulheres ocupadas
com entre 25 e 49 anos de idade (R$ 2.050) equivalia a 79,5% do recebido pelos
homens (R$ 2.579) nesse mesmo grupo etário. Considerando-se a cor ou raça, a
proporção de rendimento médio da mulher branca ocupada em relação ao do homem
branco ocupado (76,2%) era menor que essa razão entre mulher e homem de cor
preta ou parda (80,1%) (IBGE, 2018).
Nos seus lares, dentro do modelo de
sociedade capitalista e patriarcal atual, as mulheres ainda possuem
responsabilidades exclusivas com os afazeres domésticos e os cuidados com os
filhos. Além da carga horária de trabalho superior as dos homens, as mulheres
ainda possuem o chamado “terceiro expediente” ou “expediente doméstico”, que
consiste nos trabalhos de casa no cuidado dos filhos e deveres domésticos em
geral. E ainda assim, as mulheres precisam agendar tempo para os estudos e
tarefas das escolas ou de faculdades que frequentam no contra turno do
trabalho.
A sociedade capitalista impõe a
hierarquia de gênero como forma de controle e opressão sobre as mulheres para
assim aumentar a mais valia e a exploração sobre o sexo feminino no chamado
mercado de trabalho, e cuja expressão se reflete na super-exploração da mulher
como instrumento de mão de obra barata.
Considerando-se as ocupações selecionadas, a
participação das mulheres era maior entre os trabalhadores dos serviços
domésticos em geral (95,0%), Professores do Ensino fundamental (84,0%), trabalhadores
de limpeza de interior de edifícios, escritórios, hotéis e outros
estabelecimentos (74,9%) e dos trabalhadores de centrais de atendimento
(72,2%). No grupo de diretores e gerentes, as mulheres tinham participação de
41,8% e seu rendimento médio (R$ 4.435) correspondia a 71,3% do recebido pelos
homens (R$ 6.216). Já entre os Profissionais das ciências e intelectuais, as
mulheres tinham participação majoritária (63,0%) mas recebiam 64,8% do
rendimento dos homens (IBGE, 2018).
Segundo Assunção (2011), a precarização e a terceirização do trabalho
capitalista, tem cada vez mais o rosto de uma mulher, ou seja, o sistema do
capital faz da super-exploração sobre a mulher um mecanismo importante para a
sua reprodução e dominação, fazendo perpetuar as desigualdades e
potencializando ainda mais as divisões entre homens e mulheres e entre toda a
classe trabalhadora.
Nos dados acima do IBGE (2018) (ver gráfico 01 acima) vemos que
os cargos mais altos e com melhores salários são ocupados majoritariamente por
homens. Já as mulheres possuem salários inferiores aos dos homens e ainda tem
maior percentual de participação em atividades de limpeza, tele-atendimento e
entre docentes do ensino fundamental. Essas características do trabalho
feminino no Brasil evidencia o alto grau de exploração e de precarização em que
se encontram as mulheres brasileiras no mercado de trabalho.
Ao analisarmos os principais cargos desempenhados pela maioria das
mulheres, pode-se inferir que tais funções colocam as mulheres numa posição de
maior exposição ao vírus Sars-Cov-2, pois quanto maior a precarização do
trabalho e menores os salários, maior se torna a vulnerabilidade do trabalhador
no contexto da pandemia. Quanto mais precarizado o trabalho, implica numa maior
circulação e exposição deste trabalhador, tornando-o mais exposto no contato
com o público em geral e mais vulnerável com relação aos baixos salários. Um
trabalhador precarizado dificilmente tem acesso ao trabalho remoto (“home-office”)
e ainda não possui acesso ao transporte público seguro e de qualidade. Todos
estes fatores tornam as mulheres alvos mais fáceis para o vírus Sars-Cov-2
devido à sua maior exposição ao vírus e à precarização de suas vidas. Vê-se
assim, as relações de poder imbricadas dentro das relações de gênero, e que demonstram
a exploração capitalista.
O trabalhador em geral vende o seu
corpo e o seu tempo, recebendo em troca o seu mísero salário. Nesta forma de
trabalho abstrato, o sujeito que trabalha se aliena, não sendo capaz de
reconhecer a si mesmo no trabalho, transformando-se também em mercadoria e em
objeto. O produto do seu trabalho também lhe é estranho. O processo de trabalho
se torna fragmentado, não compreende o início, meio e fim da ação no trabalho.
O trabalhador se especializa na sua função, não possui mais a visão holística
sobre o seu labor. Sujeito e produto se transformam em mera mercadoria. Dentro
destas relações no capitalismo, na exploração da natureza e na
exploração do próprio ser humano, faz surgir o trabalhador-mercadoria. O homem
para sobreviver se vê obrigado a vender a sua força de trabalho e recebe em
troca o seu mísero salário. Tudo o que se produz não é mais para satisfação das
suas próprias necessidades humanas (valor de uso), mas para satisfação e
deleite de um outro que o explora, um patrão desconhecido chamado mercado
(valor de troca). Este mercado insaciável do capital é capaz ainda de se
apropriar das diferenças de gênero, do machismo, da violência física e verbal
contra a mulher, e do feminicídio existentes e enraizados na sociedade, utilizando-os como instrumentos de maior dominação
e de maior exploração.
Bibliografia Consultada:
ASSUNÇÃO, Diana (Org.). A
precarização tem rosto de mulher. São Paulo: Edições Iskra, 2011, 132
p.(Coleção Iskra Mulher).
IBGE – Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, 2018. Disponível em :<https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/23923-em-2018-mulher-recebia-79-5-do-rendimento-do-homem>. Acesso
em: 26/01/2021.
DOMINGUES, N. Novas pistas ajudam
a esclarecer por que a covid-19 mata duas vezes mais homens que mulheres -
estudos indicam que a genética feminina tem efeitos protetores contra o
coronavírus. Jornal El País, jan. 2021. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/ciencia/2021-01-22/novas-ideias-para-saber-por-que-a-covid-mata-duas-vezes-mais-homens-que-mulheres.html>.
Acesso em: 26/01/2021.
DIAS, R. Covid-19 atinge principalmente
mulheres, mas mata mais homens, diz estudo da UFMG. Jornal
Estado de Minas, 09/09/2020. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/09/09/interna_gerais,1183974/covid-19-atinge-principalmente-mulheres-mas-mata-mais-homens-ufmg.shtml>.
Acesso em: 26/01/2021.